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Epidemia sobre duas rodas

Adalberto Luque

O motociclista Fernando de Andrade, 37 anos, havia encerrado sua jornada como entregador. Ele utilizava sua moto como ferramenta de trabalho. Na madrugada de 28 de maio voltava para casa passando pela avenida Jerô­nimo Gonçalves, Centro de Ribeirão Preto.

Uma câmera de seguran­ça mostrou o momento em que a moto, aparentemente desgovernada, se choca con­tra um poste, em frente ao Centro Popular de Compras. Fernando cai desacordado. Algumas pessoas em situação de rua se aproximam. Dois pegam a carteira e o celular do homem desacordado.

Outro se aproxima e apa­nha a moto caída. Empurra e tenta sair. Só consegue segun­dos antes do resgate chegar ao local. A leva embora.

O motociclista inconscien­te é levado para o Hospital das Clínicas – Unidade de Emer­gência (HC-UE). A família fica sabendo que ele havia sofrido um acidente quase dois dias depois. Havia dado entrada no hospital como indigente, pois seus documentos foram leva­dos pelos assaltantes.

Fernando, que já havia se tornado mais um na estatís­tica do número de acidentes, passou a fazer parte também do número de vítimas fatais em batidas com motociclistas. Morreu 12 dias depois de dar entrada no HC-UE.

Motociclistas são 50% das mortes do trânsito em Ribeirão Preto

16 mortes
De acordo com o Infosi­ga-SP, banco de dados com informações de acidentes de trânsito do Estado, coorde­nado pelo governo de São Paulo, Fernando é um dos 16 motociclistas que perderam a vida de janeiro a maio de 2023. Desde janeiro de 2021, 110 motociclistas morreram em acidentes nas ruas e estra­das de Ribeirão Preto.

O Infosiga aponta que 50% deles perdeu a vida no local do acidente, enquanto outros 45% morreram no hospital e 5% ao serem transportados para uma unidade de saúde. Homens são maioria entre as vítimas: 85% contra 15% das mulheres.

Os passageiros nas moto­cicletas são minoria entre as vítimas fatais: apenas 10%, enquanto os condutores re­presentam 90% dos casos de letalidade. Os dados dis­ponibilizados pelo Infosiga demonstram que 70% dos acidentes com morte de mo­tociclistas ocorreram em vias urbanas e 30% em rodovias.

Os jovens estão entre a maioria dos mortos. A faixa etária entre 18 e 24 anos cor­responde a 30% das vítimas fatais. Depois vem a faixa entre 35 a 39 anos, com 15% dos ca­sos. A média é macabra: pelo menos um motociclista morre vítima de acidente por semana.

Dos 213 mortos no trân­sito entre janeiro de 2021 e maio de 2023, os motociclistas são grande maioria, de acor­do com o Infosiga. Foram 110 motociclistas mortos, contra 47 pedestres, 32 vítimas de acidentes em automóvel, 20 ciclistas e quatro mortos em colisões de caminhão.

Fernando teve moto, carteira e celular roubados enquanto estava no chão após acidente e morreu 12 dias depois no HC-UE

Epidemia
O problema é tratado pelo Ministério da Saúde como epi­demia. Durante o webinário “Motociclistas Seguros, Desafio para a Saúde Pública”, realizado pelo Departamento de Análise Epidemiológica e Vigilância de Doenças não Transmissíveis da Secretaria de Vigilância em Saú­de e Ambiente em abril, foram divulgados dados que assustam.

Apesar do número de mor­tes de motociclistas em aciden­tes não registrar um grande crescimento no Brasil, houve um aumento de 55% na taxa de internações, considerando apenas a rede do SUS e conve­niados, nos últimos anos.

O Ministério da Saúde lan­çou uma publicação alertando sobre a questão epidêmica. Também discutiu os desafios sobre a segurança dos moto­ciclistas, além de ações da vi­gilância em saúde propostas como maneira de promover a troca de experiências no en­frentamento das lesões e mor­talidade no trânsito.

SAMU
Um dos principais termô­metros da chamada epidemia sobre duas rodas, senão o maior, o Serviço de Atendimento Mó­vel de Urgência (SAMU) aten­deu, somente no ano de 2021, 2.670 ocorrências de acidentes de trânsito envolvendo moto­ciclistas. O coordenador geral do SAMU, o médico Leandro Mota, destaca que mais de 90% dos acidentes com vítimas fatais têm a imprudência e o desres­peito às leis de trânsito como grandes causadores.

Explica que os casos de im­prudência ocorrem tanto por parte dos motociclistas, quan­to de motoristas, ciclistas e até pedestres. Mas os motociclis­tas acabam levando a pior na maioria dos casos.

“Os acidentes envolvendo motocicletas acabam geran­do maior letalidade até do que acidentes envolvendo pedes­tres, porque os que envolvem pedestres geralmente possuem uma velocidade menor. Já os acidentes envolvendo motoci­cletas com outros tipos de veí­culos, como moto e carro, moto e ônibus, moto e caminhão e até mesmo moto contra caçamba, muro ou poste, acabam tendo uma maior velocidade, conse­quentemente, uma maior cine­mática”, observa Mota.

“Vivenciamos a dor que essas vítimas acabam sofrendo e que uma família acaba passando com todas as consequências desses acidentes”, diz o coordenador do SAMU, Leandro Mota

O coordenador geral do SAMU revelou dados dos últi­mos três anos. Em 2021 foram registrados 2.670 acidentes en­volvendo motocicletas, como pelo menos uma das partes do sinistro de trânsito. Números muito superiores aos acidentes onde não há motos envolvi­das. Isso relativo às ocorrên­cias onde houve vítimas e que foram atendidas pelas equipes do SAMU.

Em 2022 houve uma queda significativa no número de aci­dentes com moto. Foram 1.605, durante todo o ano, dos quais 1.256 envolveram carros com motos. Mas Mota expõe que, apesar da redução em 2022, é possível afirmar que é muito maior o número de ocorrências com motocicletas do que com outros tipos de veículos e com pedestres. Apenas nos seis pri­meiros meses de 2023, de acor­do com o SAMU, foram 1.464 acidentes com motos.

“Em 2023, constatamos que de janeiro até julho temos um número maior de ocorrên­cias com motocicletas do que o ano inteiro de 2022. Permane­cendo os acidentes com moto­cicletas em número bem maior que com os outros veículos e pedestres”, alude.

Extrema gravidade
Os traumas causados por colisões envolvendo motoci­clistas geram lesões de extrema gravidade. “Nossas viaturas es­tão preparadas para tentar es­tabilizar essas vítimas na cena. Entretanto, existem situações que mesmo as nossas UTIs não conseguem estabilizá-los e acabamos tendo o óbito cons­tatado ali no local. São lesões como traumatismo craniano, trauma torácico e trauma ab­dominal, de uma forma tão grave que acabam ficando incompatíveis com a vida”, la­menta o médico.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Esta­tística (IBGE), a frota de veícu­los registrada em Ribeirão Pre­to em 2022 é de 570.688. Desse total, 307.643 são automóveis e 115.479 motocicletas. Os veícu­los motorizados de duas rodas, sonho de liberdade para muita gente, correspondem a cerca de 20% do total da frota. Mas lide­ram o número de acidentes e vítimas fatais no trânsito.

Além de liderar, também representam casos de maior complexidade clínica, que em boa parte das vezes, resulta em óbito. Mesmo em horário de pico, o SAMU tem um tempo bem reduzido de resposta, isto é, para chegar ao local onde ocorreu o acidente e iniciar o atendimento aos feridos. Além disso as viaturas básicas e avan­çadas dispõem de equipamen­tos similares ao de uma sala de urgência de grandes hospitais.

De acordo com Mota, dian­te da vertente favorável, as 110 mortes de motociclistas no trân­sito, de janeiro de 2021 a maio de 2023, tornam-se ainda mais pre­ocupantes. “Mostra que as lesões geradas nestes casos, eram tão graves que se tornaram incom­patíveis com a vida ou se torna­ram incompatíveis no decorrer das internações”.

Mesmo com viaturas dispondo de equipamentos similares ao de uma sala de urgência de grandes hospitais, lesões gravíssimas impossibilitam salvamento

Custo altíssimo
O custo dos acidentados é alto para o País como um todo, até porque não se resume ape­nas ao atendimento do SAMU ou outras viaturas de resgate e ao tratamento hospitalar. De acordo com Mota, a interna­ção pode ser curta ou prolon­gada e ainda há as sequelas, que afastam as vítimas dos lo­cais de trabalho.

Há casos de amputação e lesões irreversíveis, que aca­bam impedindo a vítima de seguir uma carreira profissio­nal. Sem contar as mortes, que vão além da perda de um ente querido, passando na maioria das vezes, por desestabilizar fi­nanceiramente as famílias.

“Nossa vivência não é ape­nas com os atendimentos, não é só chegar no local e puncionar uma veia ou administrar um medicamento, ou fazer uma imobilização. Nossa experiên­cia e a nossa vivência vão muito além do que somente atender. Vivenciamos a dor que essas ví­timas acabam sofrendo. Viven­ciamos a dor que uma família acaba passando com todas as consequências desses acidentes. Por isso valorize sua vida, va­lorize o seu corpo e sua saúde. Um segundo ou mais que você preste atenção nas sinalizações e nas leis de trânsito não tem preço e pode evitar que você sofra ou cause um acidente”, conclui Mota.

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