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Kid Moringueira, o rei do samba de breque

Antônio Moreira da Silva, após a morte do pai, foi obrigado a deixar a escola, pois tinha que ajudar a mãe no sustento da casa. Carioca da Ti­juca e criado no Morro do Salgueiro, teve uma infância e uma juventude muito pobres.

Com 13 anos de idade já tinha feito todo tipo de trabalho, ten­do sido empregado de fábrica de cigarros e tecelagens. Por ter feito quase de tudo na vida para sobreviver, Moreira fez o samba “Dormi no molhado”, que retrata assim, com certo exagero natural, a sua vida dura: “cortei asfalto na linha, fui vendedor de galinha, carreguei cesto na feira, eu fui garçon de gafieira. Comia numa tendinha que só fritava sardinha com azeite de lamparina. Eu só cheirava gasolina. Fui peixeiro e carvoeiro, quitandeiro, fui bicheiro, apanhei como ladrão, mas não mudei de opinião. E como sou caprichoso, hoje me sinto outro homem, até já mudei meu nome, pois me disseram até que eu virava lobisomem”.

Demitido de vários empregos, sempre se reunia com amigos em serenatas e encontros de samba no Morro da Babilônia. Descobriu sua vocação junto à nata da malandragem no bairro do Estácio dos anos 20.
Moreira sempre dizia que era o tipo de malandro que só tomava leitinho, não é a toa que viveu até os 98 anos, fazendo shows até o final da vida. Ele foi tão bom malandro que, mesmo com sucesso e cartaz no rádio, manteve o emprego público de motorista de ambulância, na Assistência Municipal, garantindo a aposentadoria.

Em 1931, gravou seu primeiro disco, com as músicas “Ererê” e “Rei da Umbanda”, de Getúlio Marinho. O sucesso viria em 1933 com “Arrasta a sandália”, cantado até hoje no carnaval, e que o levou a se apresentar nos grandes programas de rádio.

Em abril de 1936, no Cine Teatro Meier, no meio de um show, Moreira cantou o samba “Jogo proibido”, de Tancredo Silva, e mudou a letra, introduzindo frases faladas, para espanto do regional que o acompanhava.
Quando indagado sobre a nova criação, Moreira disse: “prolonguei os breques do Luís, meti umas frases pitorescas dos malandros, as pal­mas estouraram e a mina de ouro estava descoberta. Até hoje vivo dela”.

Apesar dos breques de Luís Barbosa, nascia ali a forma definitiva do samba de breque. Não há dúvidas de que o samba de breque foi criado pelo cantor Luís Barbosa, batucando o ritmo em seu chapéu de palha, mas Moreira tem o mérito de codificar o gênero, de ter dado a ele contornos definitivos e se transformado em seu maior e mais conhecido intérprete.

Quanto à interpretação do samba “Jogo proibido”, a malandragem não gostou, pois na interpretação ele contava como era a trapaça do jogo de chapinha.

Entre os músicos ficou famoso o episódio ocorrido com o violonista Frazão, quando ele parou de tocar no meio da interpretação do sambista e, perguntado por que, depois de tantos breques, respondeu ao Moreira: “Estou acostumado a acompanhar música. Conversa é a primeira vez”.

Com a fama de malandro, o sambista passou a interpretar um personagem nos enredos de seus sambas de breque, “Kid Morengueira”, presente no enorme sucesso “O rei do gatilho”, de Miguel Gustavo, que originou uma série de sambas do mesmo autor, que ele gravou dentro do tema cinematográfico. O disco de maior sucesso dentro deste tema foi “O rei do gatilho”, de 1962.

Moreira era um cronista do mundo da malandragem carioca, sendo que a maioria dos seus sambas retratavam situações pitorescas, inusitadas, e até esdrúxulas. Um de seus sambas, que ilustra bem essas características retratadas, é o famoso “Jogando com o capeta”, que tem a seguinte história: “Jogando baralho, no terreiro grande, no meio de ho­mens fortes – eu estava jogando com a sorte. Um desconhecido chegou bem vestido e me pediu o corte – eu disse-lhe jogo até com a morte. Mas se acaso ganhar, não vá sorrir e nem zombar, que hoje é meu compa­nheiro – não vá levar o meu dinheiro. Não sou brigador, mas se perder e não pagar, eu vou bater no senhor – ele me disse ‘és um terror’. Fiz umas paradas mais eu tinha um peso – eu já estava quase pronto, acabei teso. Puxei minha solinge e fiz o ‘pelo-sinal’. Ele me disse: ‘isto é que é mal, deus me defenda do senhor’. Falei em deus, mas sem má intenção, mas para mim foi muito bom, porque deu um estouro e sumiu. Era o capeta, mete cabelão – mas que cheirinho de alcatrão”!

É, mas desta vez o nosso malandro se deu bem. E contra o capeta!

Salve Moreira da Silva, o último malandro!

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