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Farda não é fantasia

O espetáculo do depoimento do ajudante de ordem do ex-presidente da República, na Comissão Parlamentar de inquérito, constituiu uma espantosa vergonha, que durou oito horas de silêncio fardado.
Quando se diz vergonha espantosa é tanto mais espantosa já que traz a transmutação de símbolos e de vestimentas, os quais só nos trazem a ideia de decência, de honradez, de compromisso superior ao de qualquer outro cidadão. Compromisso esse formalmente jurado, em defesa da democracia e da inteireza da pátria, como são os juramentos dos servidores do Estado, sejam civis, sejam militares.

Se o civil não traz nas suas roupas a visão exuberante de seus com­promissos com o seu país, o militar vive de sinais seus, exclusivos, para demonstrar não só compromisso, a sujeição e o respeito, tal como a continência à bandeira, para exibir clara e inquestionavelmente a primazia de dar até a sua vida em defesa da pátria. É por isso que existe farda como sinal, é por isso que a continência é exclusiva como celebração devotada à bandeira verde e amarela.

No entanto, de repente, longe da respeitabilidade que deve inspirar e inspira nossas Instituições democráticas, eis que a instituição militar pare­ce ter confundido a farda com a fantasia do cordão dos puxa-sacos fascis­tas. Qual a finalidade dessa exibição desnecessária? É para causar frisson, medo aterrador a quem iria questionar a mudez golpista, mentirosa e covarde? Alguma demonstração de força indomável ao distinto público?

Por isso, não se compreende como o comando do nosso Exército teria autorizado o uso da farda por essa figura que não foi escolhida, designada, para fazer o que fez, ferindo os princípios da decência, da ética e da moral.

Pouco importa que seu pai seja general da reserva. Motivo de mais rigor na cobrança da decência militar. Pouco importa que a família esteja exigindo que o Exército coloque o seu prestígio para ameaçar o Ministro Alexandre de Morais, para que ele solte o filho do general da reserva. O Exército, que não é casta, deve, como todos os membros das instituições democráticas brasileiras, expurgar de suas fileiras o que exista de espírito endiabrado do golpismo, não tolerando jamais que a farda seja usada como demonstração de prestígio protegido de quem, no mínimo, participou da construção da falsidade dos documentos das vacinas, ou batalhou para apossar-se das joias sauditas, indicativas de propina, apreendidas pela decente representação da Receita Federal.

Farda não é fantasia.

Farda é a prova palpável de que aquele que a veste está ali porque se propôs a dar a vida à nação, uma entrega absoluta e total, e não se pode acreditar que exista leniência com quem fere os princípios fundamentais, jurados, de sua carreira.

Não se compreende por que as pessoas que se dedicaram quatro anos a preparar o clima e o plano do golpe contra a democracia, agora não se dispõem a falar a verdade, e corajosamente apresentar suas razões e de­fender-se perante a nação, revelando sua escolha para ser militar, falando claramente do que se dispôs a fazer, e o que fez, independentemente do que seu pai possa pensar ou querer.

Adolf Hitler, que no fundo é o pai espiritual dessa malta golpista, sem que ela saiba ou assuma, teve coerência quando preso, na primeira manifestação de massa de seu movimento e Partido, frustrado em 1923. Ele foi preso, seu movimento comprometido, sua liderança ficou abalada. No entanto, mesmo preso, quando no Tribunal, ele fez a sua própria defesa judicial. E falou claramente sobre sua ideologia estúpida e suicida. Pois é, foi dessa tribuna que ele conseguiu revigorar a força de sua liderança aba­lada, para depois de dez anos, empolgar o Poder e colocar fogo no mundo. Ele era um louco que sonhou como um louco, para morrer como um rato. Tantos de nossos pracinhas, na 2ª Guerra mundial, morreram para e nessa profilaxia da estupidez e da morte.

Assim, os golpistas nativos deveriam assumir a loucura dessa indecên­cia fascista, tal como o seu pai espiritual, defendendo os motivos de sua traição da pátria democrática. E assumi-la corajosa e heroicamente.

Mas não pensem em anistia, pois, historicamente fatídica para o Brasil; os fascistas a têm como incentivo para continuarem a serem o que se recusam a deixar de ser, fascistas.

O Brasil merece mais e melhor.

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