Adalberto Luque
Ana Cristina Santana Lourenço, de 23 anos, estava em seu sexto mês de gravidez e começava a planejar a vida na companhia do bebê que carregava. A imprudência no trânsito, todavia, pode ter mudado sua história.
No dia 19 de maio, ela seguia com um mototaxista pela rua Américo Brasiliense, mas quando passavam no cruzamento com a rua Amadeu Amaral, na Vila Seixas, Zona Sul de Ribeirão Preto, uma motorista não teria percebido a sinalização e avançou.
O mototaxista não parou em tempo e a moto, com os dois – ou melhor três – ocupantes bateu na lateral do carro. A motorista não se feriu, mas, em estado de choque, foi levada para um hospital. O motociclista sofreu ferimentos e também foi socorrido.
Já o caso de Ana Cristina foi mais grave. Ela sofreu ferimentos na cabeça e teria perdido bastante sangue. Foi levada para a Santa Casa de Ribeirão Preto. De acordo com sua família, foi confirmado traumatismo cranioencefálico. Porém, ela foi liberada menos de 24 horas depois.
Após o acidente, Ana Cristina buscou atendimento médico oito vezes. Passou pela Santa Casa, pela Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Leste, pela UPA Sul (Vila Virgínia), retornou para a UPA Leste, passou pela UPA Oeste, UBDS Central até voltar na Santa Casa, onde acabou internada e morreu quatro dias depois, em 10 de junho.
Foram 22 dias até morrer – de acordo com o atestado de óbito, por trombo embolia pulmonar, traumatismo craniano e pielonefrite. O cruzamento onde ocorreu o acidente estava sinalizado. No chão, a Transerp pintou uma espécie de estreitamento de pista, além de um pare visível em qualquer ângulo. A sinalização aérea também estava presente, com uma placa de pare, indicando que os motoristas que desciam pela rua Amadeu Amaral deveriam dar a preferência para quem seguia pela rua Américo Brasiliense.
O acidente, que teve uma sequência de trágicos fatores no atendimento, mostra o que as estatísticas de acidentes de trânsito não param de destacar: a imprudência e desrespeito à sinalização é uma das principais causas de morte no trânsito. Não fosse o acidente, Ana Cristina entraria em seu sétimo mês de gestação.
Infosiga
De acordo com o Infosiga-SP, sistema do Governo do Estado gerenciado pelo programa Respeito à Vida e pelo Detran-SP, em Ribeirão Preto foram registradas 38 mortes no trânsito nos cinco primeiros meses deste ano. Em 2022, das perdidas, em sua maioria, por imprudência ou desrespeito às regras de trânsito.
As motos lideram o ranking de letalidade em 2023. Foram 16 mortes em acidentes com motocicleta, nove em acidentes com automóveis, oito pedestres morreram atropelados, dois mortos estavam em acidentes envolvendo caminhões, um de bicicleta e dois não foram informados.
Neste ano, 81,58% dos mortos no trânsito eram homens e 18,42% mulheres. Em 2022 foram 85,15% de homens e 14,85% de vítimas do sexo feminino. Mais da metade dos óbitos ocorreram no hospital: 57,89% em 2023 e 51,49% em 2022. Os mortos no local do acidente foram 36,84% e 45,54%, respectivamente.
A maioria das mortes ocorreu na cidade: 58,89% dos casos de 2023 e 56,44% em 2022. Os motoristas também são a maioria dos mortos: 71,05% em 2023 e 63,37% em 2022, seguidos por pedestres, com 21,05% e 24,75% respectivamente. Os passageiros foram minoria entre os mortos: 5,26% em 2023 e 3,96% em 2022.
Falha humana
Segundo Delcides Araújo, diretor de trânsito da Transerp (empresa municipal que gerencia o trânsito e o transporte público em Ribeirão Preto), a grande maioria dos acidentes fatais ocorre por falha humana. “A Transerp, por meio dos seus agentes de trânsito, realiza diversas atividades no trânsito de Ribeirão Preto, diariamente, e se nota nas ocorrências registradas pela Polícia Militar e divulgadas pela imprensa um aumento de condutores de veículos que demonstram imprudência, impaciência e incivilidade com outros motoristas, motociclistas, ciclistas e pedestres. Nesse sentido, é válido destacar que conforme o Infosiga-SP, sistema de dados sobre fatalidades de trânsito do Governo de São Paulo, 94% dos acidentes fatais são causados por falha humana”, observa.
Araújo ressalta a importância de disseminar a necessidade de cultivar direção defensiva e estimular boas práticas ao conduzir os veículos, sejam eles automóveis, motocicletas ou bicicletas. “Dirigir pensando na segurança da coletividade, e não só de modo individual. É necessário para todos no trânsito dirigir com responsabilidade, civilidade, cautela e buscar sempre a prevenção de acidentes.”
O diretor de trânsito da Transerp lembra que a travessia do pedestre é o momento mais crítico no trânsito, porque é o elemento mais indefeso se colocando no ambiente de veículos. “A travessia do mesmo deve ser feita de maneira adequada nos locais a ele destinados, a exemplo da faixa de travessia”, expõe Araújo.
Para mudar o quadro atual, a Transerp desenvolve uma série de programas, como o Ribeirão na Faixa, o Siga Consciente, entre outros. Participa de trabalhos de prevenção como Maio Amarelo e Semana Nacional do Trânsito. Iniciou no primeiro semestre de 2023 o “Educa”, projeto piloto para trabalhar conteúdos sobre trânsito seguro com alunos do ensino fundamental, com utilização de apostilas.
“Com muito estudo técnico, estamos aos poucos permitindo uma melhora na fluidez de veículos em diversos pontos da cidade. Através do programa Ribeirão Mobilidade, já foram entregues pontes, viadutos, corredores de ônibus, duplicação de avenidas, ciclovias, novas faixas para a travessia de pedestres, novos semáforos, entre outros componentes estruturais para a segurança da malha viária urbana”, conclui.
Frutos da imprudência e imperícia de motoristas
Anderson Manzoli é engenheiro civil com mestrado no Departamento de Transportes da Universidade de São Paulo (USP) – São Carlos e especialista em trânsito. Segundo ele, o grande responsável pelos acidentes fatais é o próprio motorista.
“Temos que lembrar que existem três pilares quando falamos de trânsito. A infraestrutura, que são as sinalizações, toda a infraestrutura pública como as vias, o pavimento tem que estar de boa qualidade. Temos o segundo pilar que são os próprios usuários: os motoristas, pedestres, motociclistas e ciclistas. E temos o veículo, o terceiro. Mas aquele que mais gera o acidente são os próprios usuários”, afirma.
“Se olhar os dados estatísticos, vamos ver que o excesso de velocidade é um dos elementos que mais provocam acidentes. Numa velocidade mais alta você tem menor tempo de ação e reação. Em qualquer situação inesperada, pode aumentar bastante a probabilidade de colisão. E isso ocorre com pedestres, que têm um tempo de ação e reação para atravessar uma rua. Toma a decisão de atravessar acreditando que o veículo vem na velocidade certa, mas esse veículo, de uma forma muito antecipada já alcança o pedestre e provoca o acidente”, ressalta.
“Esse desrespeito às regras de trânsito acaba sendo o maior gerador de acidentes. Outro problema é o uso de dispositivos eletrônicos ao volante. Principalmente o celular. Muitas vezes a pessoa está dirigindo o carro e se distrai com o celular por algum motivo e isso pode gerar o acidente. E tem pedestre que anda olhando a tela do celular e não vê que, de repente, vai atravessar uma rua perigosa e não presta atenção ao seu redor, acreditando que o motorista, motociclista ou ciclista vai enxergá-lo e conseguir desviar”, alerta.
“Temos ainda problemas de uso de substâncias como o uso do álcool, drogas ilícitas e até remédios. Nessa situação também é importante que o motorista tenha consciência de que se bebeu, usou algum tipo de remédio ou droga, ele não deve dirigir”, salienta.
De acordo com Mazoli, há também a falta de atenção, quando o motorista dirige de forma muito dispersa e não se atenta às regras de sinalização. “Por último, a falta de conhecimento e educação. Muitas vezes, o motorista, por não conhecer as regras de trânsito como deveria, esquecendo que está num ambiente público, compartilhado, onde todos têm direitos e deveres, e o que é necessário é aumentar essa conscientização de que lhe é importante ter uma condução responsável do veículo. Afinal de contas o veículo mal utilizado pode ser comparado ao uso de uma arma. Falhas mecânicas existem, existem as falhas nas condições da via, existem as condições climáticas que podem tornar o ato de dirigir mais difícil, como por exemplo uma chuva intensa. Mas, na maioria das vezes, os acidentes acontecem por imprudência e imperícia dos próprios motoristas”, finaliza.
ALFREDO RISK