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Conhecer antes de regulamentar

Dois casos policiais chamaram a atenção da população e das autoridades aqui no Brasil. O primeiro deles foi o duplo homicídio de um casal de adolescentes, estu­dantes de uma escola pública na cidade de Cambé, norte do estado do Paraná. Um rapaz de dezesseis anos e sua namorada, de apenas dezessete anos, foram abatidos a tiros por outro jovem, de 21 anos, ex-estudante da escola. Detido pelas autoridades, o assassino confesso disse que executou o ataque ao colégio como vingança por ter so­frido “bullying” na época em que lá estudou. Quando foi detido portava um revólver calibre 38 e vários carregadores. No total ele disparou dezesseis vezes. Completando a tragédia, logo na noite seguinte ao tiroteio, o jovem foi encontrado morto em uma cela na delegacia da cidade. Descobriu-se depois que tudo fora tramado, com a ajuda de dois outros jovens, num grupo privado de uma rede social.

O segundo caso aconteceu em São Paulo e foi revelado numa reportagem do programa Fantástico, da Rede Globo. Um grupo de rapazes, maiores e menores de idade, juntou-se para praticar abusos físicos e morais, incluindo estupros e violência física extrema contra meninas e adolescentes que conhe­ciam em uma rede social, usando pseudo-desafios como desculpa. Quem não cumpria a tarefa definida, sofria com ameaças de revelação de fotos íntimas. Até automutilações eram exigidas das meninas como “castigo”. Segundo o delegado Fábio Pinheiro Lopes os membros do grupo “são sádicos, misóginos, eles têm um asco, um avesso por mulheres”.

Em comum, os dois casos têm a plataforma “Discord”. Tanto o grupo do atirador de Cambé, como o dos abusadores de São Paulo, a utilizavam para trocar informações, discutir estratégias para consumar os crimes e, no caso paulista, executá-los.

Essa plataforma foi desenvolvida por uma produtora de games, para uso de jogadores online. No início a comunicação era feita apenas por voz, mas com o desenvolvimento da tecnologia, passou a permitir também a comuni­cação por texto, por vídeo ao vivo e compartilhamento de conteúdo.

O maior problema de uma plataforma como esta é o fato de ter consegui­do dezenas de milhões de novos usuários em pouquíssimo tempo, deixando-a vulnerável à invasão de grupos misóginos, homofóbicos, racistas e terroristas. Cada usuário pode criar seu próprio servidor (ou canal, conforme chamado lá) onde pode criar grupos fechados, para o qual são atraídas vítimas e novos mem­bros, com divulgação mentirosa sobre o seu real conteúdo. A Discord usa como principal ferramenta de marketing sua conexão com os principais aplicativos disponíveis para uso e teste da Inteligência Artificial, voltados para produção de imagens e vídeos, o que atrai crianças e adolescentes em busca de novidades. Muitos desses aplicativos pedem que se crie uma conta na Discord para poder usá-los. A empresa afirma que está tentando melhorar a segurança da plataforma, contratando profissionais para atuarem 24 horas. Mas, devido ao grande número de ocorrências criminosas, em todo o mundo, ligadas a usuários da plataforma, parece que essa iniciativa é mais um jogo de cena do que algo realmente funcional.

O controlador da Discord é o estadunidense Jason Citron, profissional de desenvolvimento de games, que afirmou não estar interessado em vender sua companhia, mesmo já tendo sido procurado pelos tubarões das big-techs. Houve uma oferta de dez bilhões de dólares, feita no ano passado pela Micro­soft, mas Citron recusou.

É preciso que as autoridades, antes de saírem pespegando legislações a torto e a direito, conheçam bem o mato em que estão lenhando. Faz-se necessário ouvir gente especializada não só em tecnologia, mas também psicólogos, professores, au­toridades policiais da área e, por que não, usuários de diversas idades, Desandar a coisa já desandou, está mais do que na hora de estabelecer regras para plataformas de comunicação individual e em grupo, como a Discord, o WhatsApp, Telegram e outros. Se formos esperar o que está vindo por aí, melhor então é… nem vou falar.

Não é manchete…

Como diriam os anteriores (nem tão antigos): “Parem as rotativas! Fechem os aeroportos! Silenciem os poetas!”. Esta última semana foi pródiga em situações esdrúxulas também. Veja só isso: Mark Zuckerberg, proprietário da Meta (Facebook e Instagram) e Elon Musk proprietário do Twitter, Tesla e SpaceX, que têm querelas e não-me-toques um com o outro há mais de dez anos, decidiram resolver suas diferenças à moda boçal, saindo no tapa. Musk desafiou o mal-querido por que este anunciou que está criando uma platafor­ma semelhante ao Twitter e este aceitou o repto para uma luta no “cage” de MMA. De lá para cá a imprensa vem gastando teclas e saliva com o assunto. Tristes tempos, esses em que dois bilionários propõem violência bestial para resolver seus problemas de afirmação machística. E mais triste ainda, porque o assunto se torna “importante” para os meios de divulgação. Claro que a luta é só uma jogada de marketing para os dois ganharem holofotes, num momen­to em que estão ficando para trás na corrida pela hegemonia da IA.
Melhor seria criarem fundações ou incubadoras para ajudar a economia dos países necessitados. Mas aí, que me perdoe Adolpho Bloch, aconteceria, mas não viraria manchete.

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