Adriana Dorazi – especial para o Tribuna Ribeirão
O resultado da Terapia CAR-T Cell realizada no tratamento do publicitário carioca Paulo Peregrino, de 61 anos, movimentou a comunidade médica e pacientes que lutam contra o câncer na última semana. Ele foi diagnosticado com linfoma de Hodgkin em 2018, passou por diversos tratamentos convencionais no Hospital das Clínicas de São Paulo, mas já era considerado um paciente terminal.
Com o protocolo baseado na nova pesquisa teve remissão completa do câncer em apenas um mês. “É um milagre de Deus, mas também é milagre da ciência. Parece um paradoxo dizer isso, porque a ciência se baseia em estudos, pesquisas, fatos comprovados. Mas para mim poder voltar a estar em um quarto que não é de hospital, sentir o prazer de tomar um café, é algo inexplicável”, destacou o paciente.
A evolução foi celebrada por pesquisadores e não é isolada. Paulo é um dos 14 pacientes que participam de estudo com a Terapia CAR-T Cell desenvolvido pelas Faculdades de Medicina de São Paulo e de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com o Hemocentro/RP e Instituto Butantan. Em todos os casos a melhora ultrapassa 60%.
Essa nova terapia usa células de defesa do próprio corpo, modificadas em laboratório, para atacar linfomas e leucemia. A utilização da terapia no Sistema Único de Saúde (SUS) vem sendo estudada, mas por enquanto o custo estimado por cada protocolo é de R$ 2 milhões.
Anvisa
Na quarta-feira, 31 de maio, em uma reunião realizada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) com os participantes da pesquisa, o órgão federal informou que pretende acelerar investimentos nas pesquisas em Ribeirão Preto, para atender mais pacientes na busca pela cura.
Em São Paulo é o hematologista Vanderson Rocha, professor de terapia celular e coordenador nacional de terapia celular da Rede D’Or quem está à frente dos tratamentos. Ele explica que no caso do publicitário ele cumpria os critérios da pesquisa e não havia mais opções de tratamento. Então foi feita a retirada de linfócitos do próprio paciente, modificação genética dessas células e reinserção delas no corpo do doente para atuarem no reconhecimento e no combate do tumor.
Foi o nono caso de remissão completa até agora. O tratamento é indicado para pacientes adultos com linfoma difuso de grandes células B que não responderam a duas ou mais linhas de tratamento ou que voltaram a manifestar a doença após as terapias padrão. Também pode ser usado em crianças e jovens até 25 anos com leucemia linfoblástica aguda de células B que não responderam ao tratamento padrão, inclusive ao transplante de medula óssea.
Há pesquisas semelhantes com outros tipos de tumores, mas ainda em fase menos avançada. “Quando começamos o tratamento de pré-reinserção (das células), em que utilizamos dois tipos de quimioterapias para garantir que as células estarão funcionando bem, ele pegou covid”, relata Rocha, explicando o atraso no tratamento do publicitário.
“Ele tratou a covid-19 e, então, fizemos a infusão das células em Ribeirão Preto. Depois, ele teve quadro de infecção, que é comum nesses casos. Tratamos a infecção também até que ele teve alta no domingo (28)”, completa o médico que essa semana também esteve nos Estados Unidos palestrando sobre a terapia.
Paulo conta que a jornada não foi fácil, mas como esportista de alta performance, nunca perdeu a esperança na vitória. “A sensação, ao fim de tudo, é de uma gratidão infinita a Deus, no tamanho e no tempo. A todos que fizeram e fazem parte dessa jornada de cura. Médicos, enfermeiros/as, técnicos de enfermagem, pessoal da manutenção etc… pelo comprometimento e humanidade que me fizeram suportar melhor cada momento”, afirma.
Antes e depois: remissão do câncer ocorreu em um mês; paciente precisa ser monitorado por 5 anos
Quem pode participar
A expectativa do Hemocentro de Ribeirão Preto é atender pelo menos mais 75 pessoas até o fim do ano. Diego Villa Clé, médico e pesquisador envolvido nos trabalhos com a Terapia CAR-T Cell diz que vem respondendo mais de 100 e-mails por dia em apenas um canal de comunicação.
“A gente tem se dedicado muito a responder todas essas mensagens e ligações porque sabemos o quanto as pessoas estão desesperadas e esperançosas”, destaca o médico. Mas menos de 1% daqueles que se candidatam podem de fato receber o tratamento.
O primeiro paciente que teve remissão completa do câncer com a Terapia CAR-T Cell foi Vamberto de Castro, que tinha 62 anos em 2019 quando recebeu o protocolo. Dois meses depois de receber a notícia morreu em um acidente doméstico. A unidade ligada ao Hemocentro no Campus da USP será o primeiro centro de produção em grande escala.
Dimas Covas, coordenador da pesquisa pelo Hemocentro, fala em um investimento necessário de R$ 60 a 80 milhões ainda este ano para o funcionamento da unidade depois da liberação da Anvisa. “O maior interessado em fazer esse investimento é o Ministério da Saúde para introduzir o tratamento no Sistema Único de Saúde. A perspectiva é que no segundo semestre a produção esteja em pleno vapor, incluindo pesquisas para outros tumores. Esperamos que seja uma escolha de tratamento viável em breve”, conclui.