Tribuna Ribeirão
Geral

Jogo no Google simula escravidão

Daniel Mello
Agência Brasil

Um jogo eletrônico em que o usuário é um “proprietário de escravos” estava disponí­vel até o início da tarde desta quarta-feira, 24 de maio, na plataforma do Google Play. O jogador é estimulado a ob­ter “lucro” e contratar guardas para evitar rebeliões. Há até uma opção para que o usuário explore sexualmente as pes­soas colocadas sob seu poder dentro do mundo virtual.

O jogo mostra imagens de pessoas acorrentadas, inclusive um homem negro, que aparece coberto de grilhões em uma es­tética semelhante a um desenho animado. Na capa, é usada uma gravura histórica que retrata um homem branco, em roupas ele­gantes, ao lado de um homem negro escravizado seminu.

O Simulador de Escravidão tinha, segundo a própria plata­forma, sido baixado mil vezes até a manhã desta quarta-feira (24). Um desenvolvedor apre­sentado como Magnus Games apresenta-se como criador deste e de outros jogos dispo­níveis no Google Play. Os per­fis nas redes sociais não per­mitem identificar com clareza qual seria a empresa ou pesso­as por trás do produto.

A historiadora e psicanalis­ta Mariléa de Almeida vê “ra­cismo grosseiro” no jogo. “Na­turalizando a escravização, a desumanização desses corpos negros, como se brincar e fa­zer um jogo, como se isso não tivesse efeito sobre as pessoas negras, identificadas na sua ancestralidade, mas sobretudo nas pessoas que estão jogando”, enfatizou a pesquisadora, que faz parte da rede de Historia­dorxs Negrxs.

Para Mariléa, o produto “reforça os estereótipos, usa de todo o estereótipo racial e da desumanização produzida pelo racismo para o conjunto da população negra para fa­zer um jogo”. Mariléa lembra que o chamado racismo re­creativo é uma conduta que foi tornada crime a partir de lei sancionada em janeiro que equiparou o crime de injúria racial ao de racismo.

Porém, as pessoas ainda sentem que há espaço para esse tipo de conduta devido à construção histórica de que pessoas negras não são seres humanos iguais aos demais. “Esse crime sustenta, do ponto de vista histórico, a naturali­zação de corpos negros como sendo desumanizados, objeti­ficados”, enfatiza.

“Essa mentalidade, que se expressa no próprio psiquis­mo que valida as pessoas se engajarem em um jogo des­ses, sem perceberem o hor­ror. Sem sentirem um horror, um incômodo”, acrescenta Mariléa sobre as razões para que seja possível a criação e o uso desse tipo de produto.

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