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‘O Homem Cordial’: novo filme de Iberê Camargo discute linchamentos no mundo real e virtual

Por Matheus Mans

Logo em uma das primeiras cenas de O Homem Cordial, Aurélio (Paulo Miklos) está se apresentando em um palco quando começam a atirar objetos em sua direção. As pessoas estão vaiando e exigindo que ele saia dali. O motivo é um vídeo que começou a circular mostrando o roqueiro, que fez sucesso nos anos 1980, diretamente envolvido em uma confusão, ajudando o bandido a escapar da polícia. Será?

A partir dessa pequena pergunta, o filme se desmembra em assuntos que não poderiam ser mais atuais. Iberê Camargo, diretor que também é conhecido por seu trabalho em O Último Cine Drive-In, provoca o público a todo o momento para se posicionar: Aurélio estava certo ou errado? O que, de fato, aconteceu naquela confusão? Ao longo de 85 minutos, buscamos respostas, na noite de Aurélio em São Paulo, sobre o que aconteceu mais cedo.

Enquanto isso, o público presencia a “cultura do cancelamento” em ação – ou seja, quando as redes sociais julgam e condenam a partir de fragmentos da realidade. “As redes sociais têm essa condição. Você vê uma imagem por três segundos e já tem uma opinião formada. A velocidade da informação é preocupante. Somos bombardeados. A gente cria e forma opinião a partir de algo que a gente não questiona mais”, comenta Miklos ao Estadão.

Apesar de dizer que nunca foi cancelado, Miklos diz que conhece profundamente muitas das coisas que Aurélio passa – e não, não é só a semelhança de dois roqueiros que fizeram muito sucesso nos anos 1980. “Tenho experiência acumulada com o que vive esse personagem, por ser uma figura pública”, explica Paulo. “É importante discutir assuntos atuais, como fake news, cancelamento, linchamento virtual. Descortina um Brasil que a gente nem sempre quer ver. A arte tá aqui pra tocar a gente, para alertar, para sensibilizar”.

Linchamento do mundo real

Ainda que grande parte do filme fale sobre o “cancelamento”, O Homem Cordial vai além. Em determinado momento, buscando respostas, Aurélio vai para a periferia encontrar o amigo Bestia (Thaíde) para falar com a família do menino acusado de ser bandido. Neste ponto, o filme entra em outra seara: fala sobre violência policial, racismo e linchamento (agora, porém, no mundo real). Tudo fica ainda mais forte com a última cena da produção, que enfim nos revela a verdade daquela confusão que tornou a noite de Aurélio um inferno.

“Se você não sentir nada com a última cena, estamos perdidos. E o que espanta é como isso é ‘normal’. É preciso discutir a normalidade da violência”, diz Paulo Miklos. Iberê, enquanto isso, explica o motivo da cena estar no final, transformando a maneira que vemos o filme. “Na montagem, até pensamos em colocar ela fragmentada ao longo do filme. Mas depois resolvemos deixar para o final. São histórias reais de crianças que foram assassinadas e que não são só nomes. São pessoas com medos, inseguranças e desejos”.

Como cenário para isso, São Paulo. Gravado ao longo de cinco semanas apenas à noite, o longa-metragem hoje é tratado por Paulo Miklos como algo premonitório, já que o filme foi gravado em 2018 e reproduz problemas vividos até hoje. “Como ator e como paulistano da gema, conheço bem minha cidade. Nas gravações, vi minha cidade por outro ângulo. Eu andava por ali, ia para as baladas, curtia o final de semana, passeava com a turma. O que eu vi durante cinco semanas de gravações noturnas, foi uma crise humanitária. As coisas pioraram. O filme é premonitório. Com isso, São Paulo também é um personagem do filme”.

Thaíde: ‘Ainda não fui cancelado. É uma parada que não tem como controlar’

Em determinada cena, o Bestia alerta sobre como lidar com os policiais. Como foi isso pra você?

Thaíde: É maluco. Isso não foi uma coisa que a gente planejou antes, nem estava no roteiro. São condições que me trazem vários gatilhos da vida. Os personagens das outras pessoas são personagens que não tiveram embate direto com a polícia. Por sua vez, eu e o Bestia já tivemos. O despreparo dos outros nessa situação faz com o Bestia dê as instruções. Eu aproveitei essas experiências de vida para colocar uns ‘caquinhos’ em cena.

Então tem muito de você no Bestia?

Thaíde: Tive liberdade para fazer esse personagem, parece que eu uso o nome Bestia e me deram a condição de ser um ex-integrante da banda. Não precisei nem mudar jeito de falar. Foi muito natural.

E como você lida com essa questão do cancelamento?

Thaíde: Ainda não fui cancelado. É uma parada que não tem como controlar. Se alguém não vai com a sua cara, vai fazer algo pra te difamar. E, dependendo com quem ele falar, vai ter um resultado. Essas pessoas são covardes, sem coragem de falar na sua cara. Só falam atrás da tela do computador ou do celular. Isso faz com que a gente use a internet de maneira negativa. O filme traz questões atuais do Brasil e do mundo. E é preciso tratar os culpados como culpados. Não punir causa sensação de impunidade. Pisou na bola, é a lei. Como diz a música, o que ele merece é pagar pela mancada.

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