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Vigiar e punir: quando a escola se assemelha a uma prisão

Depois do 20 de abril, diminuiu bastante o falatório sobre o ataque às escolas, mas quero voltar ao assunto. Esse dia lembraria o Massacre de Colombine em 1999, quando dois estudantes da Columbine High School, no Colorado, EUA, mataram 12 colegas e um professor, além de ferir mais de 20 pessoas. Um pouco diferente da abordagem do meu último artigo, quero falar agora do “chão da escola” sob a luz do que escreveu Michel Foucault no seu livro “Vigiar e punir: o nascimento da prisão”. Só lembran­do que este Foucault é o mesmo que os bolsonaristas andaram dizendo que seria contratado para ser assessor de Flávio Dino no Ministério da Justiça. E Foucault morreu em 1984!

Passei mais de trinta anos da minha vida no “chão da escola”. Ensino fundamental e médio, públicas e privadas, das chamadas elites e das ca­madas populares. Principalmente nos últimos dez anos da minha carreira, como docente e gestor, pude vivenciar o cotidiano escolar profundamente marcado pela violência. Não havia uma semana sem alguma intercorrên­cia mais ou menos grave. Quando a coisa saía do controle ou quase saía, éramos obrigados a chamar a polícia. Posso explicar depois o “obrigados”. A faculdade nunca nos preparou para enfrentar essas situações…

Ao assumir a gestão de uma escola pública no início dos anos 2000, encontrei todas as salas de aula com duas portas, uma de madeira e outra que mais parecia uma grade de cela… Uma das primeiras decisões que que tomamos foi arrancar as grades. E comemoramos! Também pude­ra, cerca de dois meses antes, estudantes arrombaram de madrugada a despensa da escola. E quando alunos e professores chegaram no outro dia, encontraram um quilo de arroz ou de feijão sobre cada uma das carteiras de várias salas de aula. É que alguns haviam sido punidos, dias antes, com a suspensão da merenda. Estou lembrando desses fatos para dizer que os problemas da escola são bastante concretos, mas o grande intelectual Foucault pode nos ajudar a compreendê-los.

Li há alguns dias um artigo interessantíssimo do professor de História e historiador Fernando Horta. Ele lembra que muitos psicólogos defen­dem que o fascismo é uma consequência das condições psicológicas que se replicam a partir essencialmente de dois comportamentos. O primeiro seria o processo de castração, ou seja, a contenção violenta dos impulsos e interesses sexuais por meio da educação conservadora, o que acaba gerando uma sociedade de frustrados e recalcados. O segundo seria o desarranjo das formas de controle sobre o uso perverso dos micropoderes que gera o que se chama de “microfascismos”. Para Horta, ambos os casos têm seu epicentro nas escolas e reverberam por todo o tecido social.

A escolas são o reflexo da sociedade, inclusive e principalmente do en­torno onde elas se localizam. Pude perceber isso muito bem como professor e gestor. A violência que perpassa as relações sociais (incluindo as familia­res) repercutem na escola. Mas o processo de domesticação escolar também é fator de violência e nisso Fernando Horta tem toda razão. Ele lembra que o austríaco Wilhelm Reich, considerado um gênio por uns e um louco por outros, não rejeita a explicação econômica ou sociológica do fascismo, apenas acredita que a questão psicológica é anterior. Vejamos!

Para Reich, sociedades patriarcais, conservadoras que impõem regras sociais e educacionais sobre o comportamento sexual dos jovens acabam por gerar o fenômeno da castração. O indivíduo se vê obrigado, através da violência, a transformar seus interesses e impulsos sexuais para se adequar ao “padrão”. Esse processo de auto violência nunca se dá espontaneamente, é sempre a partir da família, da escola e dos elementos culturais presentes numa determinada sociedade. Não é preciso ir muito longe para entender, então, porque os conservadores e fundamentalistas religiosos são contra a educação sexual nas escolas. Muitos deles chegam até a defender o home schooling exatamente, dentre outros objetivos, para “proteger” os estudantes da educação escolar!

Até pelo espaço que tenho aqui, percebo que este nosso artigo está inconcluso ou com gosto de “quero mais”. Volto ao assunto no próximo. Com Michel Foucault, Fernando Horta e Wilhelm Reich.

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