Por Mariane Morisawa
Em uma cerimônia cheia de música, com apresentações do colombiano Sebastián Yatra, da cubana Lucrecia e dos brasileiros Alejandro Claveaux e Letrux, Argentina, 1985 tornou-se o grande vencedor dos Prêmios Platino. O longa-metragem sobre o inédito julgamento das juntas militares argentinas pelas prisões ilegais, torturas, mortes e desaparecimentos durante a ditadura de 1976 a 1985 foi escolhido o melhor longa de ficção ibero-americano do ano.
Além desse troféu, a produção dirigida por Santiago Mitre saiu com outros quatro, incluindo melhor ator para Ricardo Darín, na noite do último sábado (22), em Madri. “A valentia dos testemunhos das vítimas nesse julgamento não tem equivalente. Elas estavam a centímetros dos mandantes de suas torturas. Não podemos nos esquecer”, disse o produtor Axel Kuschevatzky, em seu discurso de agradecimento. “Todos os países passam por injustiças. Que esse filme ajude a lembrar que a justiça é fundamental. Viva o cinema ibero-americano!”
A participação brasileira foi discreta. Claveaux e Letrux cantaram País Tropical, de Jorge Benjor, com um arranjo que diluiu a música e contou com a participação de passistas, capoeiristas e pessoas dançando algo que lembrava vagamente um samba. Pouco antes, os apresentadores pediram a participação da plateia tocando pandeiros improvisados e… maracas. Depois de Sonia Braga, Antonio Banderas, Ricardo Darín e Carmen Maura, entre outros, Benicio del Toro recebeu o Platino de Honra de 2023.
O porto-riquenho falou das inúmeras rejeições sofridas pelos atores, especialmente aqueles, como ele, pertencentes a uma minoria nos Estados Unidos, e das dúvidas que vieram com seus sonhos, inclusive aqueles alimentados pela indústria, como sugestões de mudanças de nome ou de cirurgias para aumentar os olhos. “Nós, latinos, não somos um monolito, não somos todos iguais”, disse.
A espanhola Laia Costa (Canção de Ninar) e o argentino Ricardo Darín (Argentina, 1985) foram os vencedores nas categorias melhor atriz e ator, respectivamente. Os dois também ganharam os prêmios do público. “Muito obrigado por esse reconhecimento. Em primeiro, queria compartilhar o Platino com meus companheiros de trabalho, especialmente Peter Lanzani”, disse o ator. “É uma maravilha estar aqui nesta décima edição. Pensando no que o Benicio del Toro disse, os atores têm de estar preparados para muitas rejeições. E, sem perder nossa identidade, dar humanidade a cada um dos personagens. Queria dedicar esse prêmio à incrível humanidade de um senhor chamado Julio César Strassera. Nunca mais. Nunca mais”, encerrou ele, citando o promotor que ele interpreta, um dos responsáveis pela condenação das juntas militares argentinas pelos crimes cometidos na ditadura, e seu discurso de encerramento no tribunal.
O espanhol Rodrigo Sorogoyen levou o Platino de melhor direção por As Bestas, um de seus quatro prêmios. Mariano Llinás e Santiago Mitre venceram o Platino pelo roteiro de Argentina, 1985. A co-produção Argentina-Espanha Concorrência Oficial, de Gastón Duprat e Mariano Cohn, ganhou o primeiro Platino de comédia. Luis Zahera (As Bestas) e Susi Sánchez (Canção de Ninar) venceram os prêmios de melhor ator e atriz coadjuvante de cinema, respectivamente. O chileno 1976, de Manuela Martelli, foi escolhido o melhor filme de estreia. “É uma honra estar indicado com filmes tão bonitos”, disse a diretora. Martelli elogiou as mulheres envolvidas na produção, que recupera a tragédia da ditadura militar chilena sob o ponto de vista feminino. “Eu queria recuperar essa história esquecida”, disse a cineasta em entrevista ao Estadão, no tapete vermelho.
A trilha sonora de Cergio Prudencio para o boliviano Utama ganhou o prêmio da categoria. Ele agradeceu ao povo quéchua e sua música pela inspiração para a trilha. O mexicano Águila y Jaguar: Los Guerreros Legendários, dirigido por Mike R. Ortiz, ganhou o troféu de melhor animação. A atriz brasileira Bárbara Paz entregou o prêmio de melhor documentário para o cubano El Caso Padilla, de Pavel Giroud. “Nosso filme é sobre um poeta que foi preso em 1971 e foi obrigado a retratar-se publicamente por sua obra”, disse o diretor “Lamentavelmente coisas assim ainda acontecem em meu país. Que a dor de nosso povo seja levada em conta como a de outros países sob regimes totalitários.”
O Platino de direção de arte foi para Micaela Saiegh (Argentina, 1985). Alberto Campos ganhou o prêmio de montagem por As Bestas, que também levou o troféu de edição de som. Bárbara Álvarez, de Utama, venceu na categoria fotografia. O prêmio Cine e Educação em Valores foi para Argentina, 1985.
Os Prêmios Platino também contemplam a televisão. Notícia de um Sequestro, baseada no livro de Gabriel García Márquez, sobre a onda de sequestros promovida pelo narcotráfico nos anos 1990 na Colômbia, foi escolhida a melhor série. A obra levou outros três prêmios: melhor criador (Andrés Wood e Rodrigo García), atriz (Cristina Umaña) e atriz coadjuvante (Majida Issa). “Esse prêmio é para todas as vítimas do conflito em meu país, incluindo aqueles que não têm nome”, disse Issa. O chileno Wood recebeu o prêmio e agradeceu a Rodrigo García, filho de García Márquez e co-criador, por impor limites. “O maior deles: que cada morte doa, queremos dar dignidade ao que essas pessoas sofreram”, disse o diretor chileno.
O melhor ator de televisão foi o argentino Guillermo Francella (Meu Querido Zelador). Seu compatriota, Alejandro Awada (Iosi, O Espião Arrepentido), foi o melhor ator coadjuvante.