Um ambiente de insegurança, medo, pânico e incertezas vem crescendo nos últimos dias no ambiente escolar, devido a ameaças e casos de violência. Diante desse cenário governos Federal, Estadual e municipais anunciaram medidas para coibir novos atos. Especialistas em várias áreas envolvidas também comentam e indicam os caminhos.
Ações ampliadas em Ribeirão Preto
Em Ribeirão Preto, a prefeitura, desde a última segunda-feira, ampliou as ações de segurança na rede municipal de ensino, com a otimização das rondas escolares efetuadas pela Guarda Civil Metropolitana (GCM), com reforço de viaturas e servidores da corporação na entrada e saída dos alunos. Outra medida é o monitoramento online com câmeras instaladas nas escolas.
A Secretaria Municipal de Educação administra 31 escolas de ensino fundamental (Emef) e 105 de educação infantil. São 29 escolas parceiras ou conveniadas, 36 Centros de Educação Infantil (CEIs) e 43 Escolas Municipais de Educação Infantil (Emeis). Tem ainda o Centro de Educação Especial Egydio Pedreschi e a Escola Municipal de Ensino Profissional Básico (Emepb) Doutor Celso Charuri. São 138 unidades escolares.
Estado de São Paulo terá policiais de folga nas unidades escolares
O governo de São Paulo anunciou na quinta-feira (13), medidas para aumentar a segurança em escolas do Estado. Além da contratação de psicólogos, policiais de folga vão reforçar as rondas escolares e seguranças privados atuarão dentro das unidades. As ações foram anunciadas durante visita do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), dos secretários de Educação, Renato Feder, de Segurança Pública, Guilherme Derrite e do prefeito Ricardo Nunes (PSDB) à Escola Estadual Thomazia Montoro, na Vila Sônia, zona oeste da capital, onde uma professora foi assassinada a facadas por um aluno no mês passado.
Tarcísio enfatizou que o projeto é uma tentativa de frear os ataques e devolver a tranquilidade ao ambiente escolar, mas que ainda não há certezas sobre qual a forma mais eficaz e, por isso, as medidas podem ser adaptadas e melhoradas com o tempo. “Se vocês me perguntarem: ‘Vocês sabem o que fazer?’, (a resposta será) ‘não’. A gente vai construir, vai ouvir os professores, os profissionais e tentar. Talvez a gente erre, talvez a gente acerte”, afirmou.
“A gente quer dar tranquilidade para os pais e a gente não vai descansar enquanto a gente não proporcionar o resgate desse ambiente escolar seguro e superar essa onda de violência, ódio e intolerância”, completou o governador, que conversou com professores e funcionários da Thomazia Montoro.
A ronda escolar será reforçada com o apoio das unidades de polícia e também com a oferta de 600 vagas para policiais de folga. O Estado também vai contratar cerca de mil vigilantes privados. Eles vão trabalhar de forma fixa nas escolas classificadas como de “maior risco” e atuarão desarmados.
De acordo com o secretário de Educação, a medida foi tomada após pesquisa com os professores. O objetivo é que esses vigilantes conheçam os alunos e saibam identificar possíveis comportamentos suspeitos, fazendo uma ponte de comunicação com a equipe de apoio psicossocial – que também faz parte do pacote.
A definição das escolas de risco se dará por meio de um cruzamento de informações da Secretaria de Segurança Pública sobre regiões com maior criminalidade e dados de conflitos escolares. Aquelas unidades que ficam em bairros mais perigosos e têm um histórico latente de conflitos entre alunos receberão atenção especial.
Uma outra iniciativa é a criação do programa Segurança Escolar, que vai colocar de forma permanente um policial em cada escola, segundo o governo do Estado. A ideia é recontratar os agentes de segurança já aposentados para assumir a função de gestores do programa. Um projeto de lei será apresentado para a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo para que esse tipo de contratação seja permitida.
Psicólogos
Uma equipe de 550 psicólogos também começará a atuar nas escolas. Um profissional vai atuar em cerca de dez escolas, para garantir, ao menos, um atendimento semanal. Uma licitação para a contratação temporária desses profissionais já foi aberta.
União quer brecar ações nas redes sociais
O Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) anunciou na última quarta-feira (12) a edição de uma nova portaria com uma série de obrigações para as plataformas de redes sociais. De acordo com o ministro Flávio Dino, a norma assinada por ele traz “medidas práticas e concretas” de regulação do serviço prestado pelo setor, com foco específico na prevenção de violência contra escolas.
“Pela primeira vez temos um regramento claro de como combater condutas a partir da responsabilização das empresas, que, durante anos, disseram que elas eram neutras e que, portanto, elas não eram responsáveis. E são. O que a portaria afirma é que são responsáveis politicamente, socialmente e juridicamente. Porque essas empresas são prestadoras de serviços, eles selecionam conteúdo que nós visualizamos, eles impulsionam conteúdos, eles influenciam, portanto, no conteúdo que circula na internet”, afirmou em coletiva de imprensa para anunciar a medida.
A portaria prevê, por exemplo, que a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), órgão do Ministério da Justiça, instaure processos administrativos para apuração de responsabilidade de cada empresa em relação à eventual violação do que o ministro chamou de “dever de segurança e de cuidado” das plataformas em relação a conteúdos violentos contra comunidades escolares. É no âmbito desses processos que as plataformas deverão atender a diversas requisições da pasta prevista na norma, como, por exemplo, a obrigação de apresentar relatórios de avaliação de riscos sistêmicos sobre propagação de conteúdos ilícitos, informações sobre risco de acesso de crianças e adolescentes a conteúdos inapropriados para a idade, além de conteúdos considerados ilegais, nocivos e danosos, segundo a portaria.
A Senacon também poderá requerer informações sobre risco de propagação e viralização de conteúdos e perfis que exibam extremismo violento, incentivem ataques ao ambiente escolar ou façam apologia e incitação a esses crimes ou a seus perpetradores.
O descumprimento das medidas, segundo o ministro Flávio Dino, poderá acarretar aplicação de multas que podem chegar a R$ 12 milhões ou, nos casos mais graves, até mesmo na suspensão administrativa dos serviços das redes sociais no país.
Identificação de autores
Outra determinação da portaria exige o compartilhamento, entre as plataformas de redes sociais e as autoridades policiais, de dados que permitam a identificação do usuário ou do terminal da conexão com a internet que o usuário disponibilizou o conteúdo considerado violento contra escolas. Este trabalho ficará sob coordenação da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), também vinculada ao MJSP.
Também segundo a portaria, a Senasp poderá determinar às plataformas que impeçam a criação de novos perfis a partir dos endereços de protocolo de internet (endereço IP) em que já foram detectadas atividades ilegais, danosas e perigosas.
Ainda de acordo com a portaria, a Senasp vai instituir um banco de dados de conteúdos ilegais, contendo links, imagens, vídeos, entre outros, com o objetivo de facilitar a identificação pelos sistemas automatizados das plataformas, para que sejam rapidamente removidos.
A portaria não determina prazos específicos de remoção, mas o ministro da Justiça disse que deverá adotar como padrão o prazo máximo de duas horas, o mesmo usado pela Justiça Eleitoral, durante as eleições de 2022, para a retirada de conteúdos ilegais nas redes sociais.
Cultura da Paz, prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, precisa sair do papel
O artigo 12, Inciso X, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LBDE, Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996), é claro ao definir como atribuição dos estabelecimentos de ensino “estabelecer ações destinadas a promover a cultura de paz nas escolas”.
Apesar de constar da principal legislação que trata da educação brasileira, na prática, a cultura da paz ainda é falha no Brasil, conforme explica a advogada especialista em bullying e cyberbullying Ana Paula Siqueira.
“A falta de estrutura nas escolas públicas não favorece a aplicação integral da cultura da paz”, aponta. “E mesmo nas escolas particulares mais renomadas, a cultura da paz é colocada como uma ação esporádica, quando na verdade ela precisa permear todas as atividades escolares de uma maneira cotidiana, natural e fluida, não como o cumprimento de uma obrigação legal”.
Ana Paula aponta ainda o fato de poucas escolas terem programas continuados de combate ao bullying, outra exigência da LDBE (art. 12, inciso IX, promover medidas de conscientização, de prevenção e de combate a todos os tipos de violência, especialmente a intimidação sistemática (bullying), no âmbito das escolas.).
O bullying aparece como causa da grande maioria dos casos de violência nas escolas. “E hoje, como uma transição para uma vida cada vez mais digital, não basta à escola prevenir somente durante o período de aula, porque o cyberbullying, praticado principalmente em redes sociais e grupos de WhatsApp, atinge a vítima em qualquer lugar, 24 horas por dia”.
Com os casos de violência e ameaças estabelecidos como temos hoje, a solução emergencial é ampliar a segurança nas escolas, com a presença de policiais, revistas em mochilas e outras iniciativas.
Para Ana Paula Siqueira, porém, somente a ação preventiva trará resultados duradouros ao ambiente escolar. “Adolescentes são naturalmente mais contestadores e resistentes a imposições. A cultura da paz deve começar já na pré-escola e seguir toda a formação do aluno, com envolvimento das escolas e familiares, para que os casos de bullying não aconteçam e levem a situações extremas como as que temos hoje”, completa a advogada.
Ataques chocaram a população nos últimos anos
13 de março de 2019
Escola Estadual Raul Brasil – Suzano, SP
Um dos ataques mais conhecidos ocorreu em 2019, quando dois ex-alunos encapuzados atacaram a Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano (SP), matando sete pessoas, sendo cinco alunos e duas funcionárias do colégio. Em seguida, um dos assassinos atirou no comparsa e os dois cometeram suicídio.
7 de novembro de 2019
Escola Estadual Orlando Tavares – Caraí, MG
Dois alunos foram feridos após um ataque a tiros em uma escola na zona rural de Caraí, Minas Gerais. O atirador, que também tinha 17 anos na época, foi apreendido.
4 de maio de 2021
Escola Aquarela – Saudades, SC
Três crianças e duas funcionárias de uma escola infantil de Saudades foram mortas em um ataque com faca em maio de 2021. O assassino, que tinha 18 anos na época, deu golpes contra o próprio corpo e foi levado para um hospital em estado gravíssimo após o crime.
26 de setembro de 2022
Colégio Municipal Eurides Sant’Anna – Barreiras, BA
Em um ataque em uma escola na Bahia, um jovem armado invadiu o colégio e matou uma pessoa, depois foi baleado e encaminhado pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) para o hospital.
5 de outubro de 2022
Escola Municipal Brigadeiro Eduardo Gomes – Sobral, CE
Um atirador de 15 anos feriu três estudantes em uma escola pública de Sobral. O vigilante da instituição não percebeu que ele estava com uma arma escondida sob o uniforme escolar.
25 de novembro de 2022
Escola Estadual Primo Bitti e Centro Educacional Praia de Coqueiral – Aracruz, ES
Um adolescente invadiu duas escolas no Espírito Santo, matando três pessoas e deixando outras feridas. Ele utilizou armas do pai, um policial militar, e foi apreendido cerca de quatro horas após os ataques, em sua casa.
27 de março de 2023
Escola Estadual Thomazia Montoro – São Paulo, SP
Uma professora foi esfaqueada e morta por um aluno do oitavo ano dentro da sala de aula na capital paulista. O agressor foi contido pelos policiais e levado à delegacia.
5 de abril de 2023
Creche Bom Pastor – Blumenau, Santa Catarina
Um homem invadiu o Centro Educacional Cantinho do Bom Pastor, em Blumenau (SC), com uma machadinha e matou quatro crianças. Esse ataque reacendeu a discussão sobre a segurança nas escolas e a necessidade de ações de prevenção e acompanhamento psicológico de alunos e funcionários.
Violência nas escolas: como falar com crianças e adolescentes
Nos últimos anos muitas tragédias escancararam a necessidade de mais atenção à segurança nas escolas. Relembre alguns dos principais casos que chocaram o país e ganharam destaque na mídia.
Violência nas escolas: como falar com crianças e adolescentes
“Mamãe, eu vou poder ir para a escola?”, “Por que há massacre?”. A professora Gina Vieira, pesquisadora em educação, ficou aturdida ao ouvir do filho de 12 anos a palavra “massacre” e perguntas que exigem mais do que uma simples resposta: requerem atenção, ouvidos disponíveis, seriedade, serenidade e acolhimento.
“Muitas vezes, as famílias se recusam a conversar [sobre atentados tornados públicos em escolas e outros ambientes] porque acreditam que isso pode traumatizar a criança. Só que as crianças estão em um mundo em que elas são expostas de maneira visceral a tudo o que acontece”, diz a pesquisadora em educação que tem projetos premiados neste campo e em direitos humanos.
Ela explica que dialogar com as crianças sobre o que está acontecendo requer que os pais superem a perspectiva ingênua de acreditar que a violência na escola é algo relativo ao ambiente escolar. Gina Vieira entende que mensagens de ódio e desinformação passaram a ocupar espaço central no país.
“É necessário que os pais ouçam as crianças e estejam atentos aos sinais de que podem estar assustadas, apreensivas e com medo”, diz Gina Vieira.
Acolher esses sentimentos é a palavra adequada, segundo a professora de psicologia Belinda Mandelbaum, da Universidade de São Paulo (USP). “Em um primeiro momento, é necessário escutar o que chegou até elas. Escutar os medos e as impressões. A partir dessa escuta, os adultos podem, de alguma maneira, contribuir para uma ampliação da compreensão da criança sobre aquilo que ocorreu”. Assim, os adultos devem ficar disponíveis para poder responder às perguntas das crianças, ouvir e pensar com elas sobre as questões que elas têm.
Para a psicopedagoga Ana Paula Barbosa, que também é professora de psicologia e pesquisa o desenvolvimento infantil, é fundamental que os adultos não neguem às crianças a possibilidade de sentir e se emocionar. É preciso que as famílias estejam dispostas para essa conversa.
“Elas vão perguntar: ‘mãe, o que está acontecendo?’, ‘morreram crianças?’”. “Não negue e não se afaste. Acolha a criança e pergunte em que espaço ela ouviu aquela informação. Então, traga a criança para perto. Perguntar o que ela está sentindo e explicar o que é o medo”, pondera a professora do Centro Universitário de Brasília.
A docente recomenda que é possível explicar que o medo é um sentimento e que as famílias e as pessoas na escola estão trabalhando para cuidar da segurança dela.
Uma oportunidade, segundo Ana Paula Barbosa, para identificar que não é bom ser violento, mas que algumas pessoas utilizam a violência. “Podemos falar sobre o medo para a criança externalizar esse sentimento de algum modo. Ela ainda está em processo de desenvolvimento. Deixar claro para ela que, se a criança tiver medo na escola, pode chamar a professora, pedir ajuda, falar sobre os sentimentos”.
Até porque, segundo a pesquisadora Danila Zambianco, da Universidade de Campinas (Unicamp), por vezes, o adulto causa mais temor ainda na criança, uma vez que potencializa algo que até pode ter passado despercebido. “É importante que as famílias deem espaço para as crianças falarem o que percebem e que elas expressem sentimentos”.
Ao invés de inquirir a criança se ela sabe algo sobre a violência, questionar se algo de diferente chamou atenção. “Isso quer dizer que é necessário que o adulto tome cuidado para não julgar o que a criança trouxe”.
As especialistas avaliam que é importante, tanto quanto a informação, respeitar quando crianças manifestarem desconforto em ir para a escola. Em continuidade a uma eventual falta, é importante que os adultos responsáveis indiquem que estão atentos a todas as providências de segurança tomadas.
Segundo as pesquisadoras, os adultos também transmitem ansiedade e preocupação. E esses sinais são captados pelas antenas da sensibilidade das crianças.
Adolescentes
Embora consigam refletir sobre as crises de uma forma mais elaborada, adolescentes requerem também atenção bastante especial em relação ao que ouvem e recebem do mundo. “A gente ainda acha que o adolescente tem algumas capacidades a mais do que a criança, mas o cérebro do adolescente também está em desenvolvimento”, pontua a professora Ana Paula Barbosa.
“Adolescentes vivem em meio a descobertas e chegam a registrar alguns episódios de maneira também distorcida, idealizada ou até romântica. Para lidar com o adolescente, não se costuma utilizar componentes lúdicos. A gente vai ter que encarar uma conversa que traga alertas e possibilidades de riscos para que a pessoa compreenda melhor o que se passa.”
Outra providência que adultos podem tomar é chamar a atenção para que adolescentes não satirizem os eventos, chamando-os à responsabilidade moral diante das notícias de tragédia. “Que tipo de humor é esse que se faz por cima do sofrimento de algumas pessoas?”