‘NÃO ATENDO LADRÃO’
O jornalista Orestes Lopes de Camargo era um conciliador e assim o foi durante toda sua vida. Nos momentos cruciais da “revolução”, “golpe” ou outro nome que se queira dar ao movimento de 1964, ele teve atitude de “algodão entre cristais”. Como vice-prefeito à época não aceitou uma possível indicação para assumir o Palácio Rio Branco, caso conseguissem cassar Welson Gasparini que era o titular. Foi enfático: “Não assumo posto que o povo escolheu livremente para governar esta cidade”. As forças que comandavam as ações e estavam tentando convencer os vereadores retirarem o prefeito de sua cadeira, defenestrando-o, tiveram que mudar de conduta e escolheram outro nome na sucessão para assumir o cargo, caso o titular fosse cassado.
REUNIÕES NOTURNAS E CONFESSIONÁRIO DIURNO
A sala do “Seo” Orestes era palco de romaria dos políticos e de autoridades dos mais variados postos e funções. O dia todo, tirando o horário sagrado para ele do pós-almoço e sua “siesta”, ele estava fumando seu cigarrinho e opinando sobre os mais diferentes assuntos. Diziam os amigos que a sala do “velho” era um verdadeiro confessionário. As mais altas autoridades da República o visitavam quando passavam pela região e trocavam ideias com o mais jornalista que político.
FIEL ESCUDEIRA
A sua neta Vera, filha da Jandira, era sua fiel escudeira. Tudo que ele necessitava fazer ele delegava para ela. Mesmo as mais espinhosas missões tinham Vera à frente. Certa feita ele a chamou e deu uma determinação definitiva: se um grande político que vinha sempre visitá-lo voltasse para vê-lo, era para dizer a ele, com todas as letras, que ele não iria atendê-lo, pois não recebia ladrão em sua casa. Verinha ficou pálida. Nunca havia recebido instruções idênticas àquela que o querido avô lhe passava. Pediu duas ou três vezes para ele repetir o que havia dito em tom categórico. Ele assim o fez.
EIS QUE O HOMEM CHEGOU
Um dia, quando a redação do jornal estava lotada dos que queriam publicar seus anúncios, eis que chegou o “Bam, Bam, Bam” da República. “Por favor, quero falar com ‘seo’ Orestes. Diga que é a autoridade de tais setores legislativos”. Vera corre ao telefone e liga de novo para o avô: “Vô o homem chegou. Que é que eu faço?” Orestes com toda calma reiterou a orientação: “Faça o que eu disse: diga a ele que eu não atendo ladrão na minha casa”. Ela repetiu letra por letra com toda a entonação que o velho jornalista lhe disse. “Ele mandou avisar que não vai atender ladrão nesta casa” e virou-lhe as costas. O tão poderoso político de Brasília virou para trás e nem disse até logo. Foi embora e nunca mais voltou. Orestes não disse o que sabia e nem do porquê assim agiu. Mas ficou calmo com sua consciência para a eternidade.