O bicampeonato mundial conquistado no último domingo (26), em Nova Delhi (Índia), mostrou que Beatriz Ferreira está determinada a se despedir do boxe olímpico por cima. Os Jogos Olímpicos de Paris (França), em 2024, serão os últimos da pugilista. Ela passará a se dedicar exclusivamente às lutas profissionais, que começou a disputar em novembro do ano passado. Em dois combates, foram duas vitórias.
“Consegui os títulos sul-americano, pan-americano, mundial e continental. Achei que [a Olimpíada de] Tóquio [Japão] seria minha aposentadoria [do boxe olímpico], com a medalha de prata, mas fiquei com um gostinho de quero mais, sabendo que posso trocar a cor dela pelo ouro. Paris é logo ali”, afirmou Bia, dias antes de viajar à Índia.
Migrar para o boxe profissional, que é financeiramente mais interessante, foi o caminho trilhado por outros brasileiros medalhistas olímpicos, como Robson Conceição, Hebert Conceição, Esquiva Falcão, Yamaguchi Falcão e Adriana Araújo. Bia, porém, é a primeira deles a levar – ainda que por pouco tempo – as duas carreiras de forma simultânea. A participação dos pugilistas profissionais nos Jogos – historicamente proibida – foi liberada a partir da edição de 2016, no Rio de Janeiro.
Apesar de ser o mesmo esporte, há diferenças. No boxe profissional, as lutas são mais extensas, com até 12 rounds e participação de três juízes. No olímpico, são três assaltos e cinco árbitros.
“São treinos diferentes, tempos [de luta] diferentes. [No profissional] A gente não usa protetor de cabeça, então muda bastante. Estou fazendo essa adaptação e me dando bem, porque meu estilo já é bem agressivo. Estou gostando bastante, a preparação, a entrada para a luta, é uma sensação bem diferente. Sei que é meu último ciclo olímpico, quero finalizá-lo com chave de ouro, mas já tendo algo certo, que é o [boxe] profissional”, explicou a pugilista de 30 anos.
No sangue
Bia começou a disputar torneios internacionais somente em 2017, mas vive o boxe desde a infância. Natural de Salvador e radicada em Juiz de Fora (MG), ela é filha do campeão brasileiro Raimundo Ferreira, o Sergipe. A paixão pelo esporte veio naturalmente, acompanhando o pai nos treinos. Demorou, porém, para transformar o sentimento em carreira.
“Eu sempre digo que o começo é super difícil. Trabalhei de várias coisas. Cuidei de criança, trabalhei em fábrica de meia e comecei a dar aulas de boxe. Queria continuar treinando e precisava comprar equipamentos. Nunca fui de ficar esperando meu pai ou minha mãe me darem aquilo, porque sabia que eles também trabalhavam duro para ter o deles. Os meus alunos começaram a lutar antes de mim. Foi quando percebi que estava faltando alguma coisa”, recordou a baiana.
A primeira competição nacional de Bia foi o Campeonato Brasileiro, em 2015. A pugilista, no entanto, foi expulsa do torneio após adversárias descobrirem que ela também treinava muay thai e a denunciarem. A Associação Internacional de Boxe Amador (Aiba) não permitia que os atletas praticassem outra modalidade. A baiana acabou suspensa por dois anos. A volta aos ringues se deu em 2016, auxiliando a preparação da conterrânea Adriana Araújo à Olimpíada do Rio.
Após o megaevento na capital fluminense, Bia assumiu a vaga deixada por Adriana na categoria até 60 quilos e alcançou feitos históricos. Em 2019, foi dela o ouro pioneiro de uma brasileira em Jogos Pan-Americanos, na edição de Lima (Peru). Em Tóquio, há dois anos, levou o boxe feminino do Brasil a uma inédita final olímpica. Agora, em Nova Delhi, tornou-se a primeira lutadora do país a emplacar três finais seguidas em um Mundial – e a ganhar duas delas.
Legado
Tais conquistas colocaram Bia em um seleto grupo de mulheres históricas do esporte brasileiro, como Maria Esther Bueno (tênis), Rafaela Silva, Sarah Menezes, Mayra Aguiar (as três do judô), Poliana Okimoto, Ana Marcela Cunha (ambas da maratona aquática), Rebeca Andrade, Daiane dos Santos (ginástica artística), Jaqueline Silva e Sandra Pires (as duas do vôlei de praia), entre outras. Próxima do adeus ao boxe olímpico, a baiana espera ter aberto portas para uma nova geração de pugilistas.
“Desejo que as meninas que gostam do esporte, queiram ser campeãs, insistam, persistam. Claro que se os pais apoiarem, o caminho fica mais fácil. Graças a Deus, tive apoio da minha família. Vale muito a pena. É uma oportunidade imensa de você mudar de vida, conhecer o país e o mundo inteiro, fazendo o que você ama. Estou muito feliz de fazer parte dessa história, influenciando outras meninas. A mulher pode praticar boxe, fazer o que ela quiser. É querer, ter força de vontade, disciplina e avançar”, concluiu Bia.
Edição: Cláudia Soares Rodrigues