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A criação de palavras do gênero neutro

Os movimentos de defesa da criação de palavras com ter­minações de gênero neutros em nossa língua, patrocinados por grupos de identidade sexual alternativa, têm promovido vários debates sobre o assunto, especialmente pela urgência pretendida na sua adoção.

Devo esclarecer que esses movimentos, numa sociedade democrática são legítimos, representam o ideário de parte da po­pulação, mas, no meu entender sua ideia-base, de modificação da língua por decreto, merece várias ponderações, para prosperar.

O português falado no Brasil descende do latim vulgar usado em Roma, como as demais línguas românicas do planeta. A expansão do Império Romano, conquistando toda a Europa e norte da África e transformando o Mar Mediterrâ­neo no lago que chamavam de Mare Nostrum, levou o latim a todos os lugares, o qual foi se transformando lentamente em novas línguas, por força da distância com a sede do Império e contato com a fala dos povos dominados.

Assim, o gênero neutro existente no latim clássico, bem como as declinações que nos assustavam na escola deixaram de existir ao longo de muitos anos, primeiramente na nossa língua arcaica, que conserva bastante do latim e, depois, na­quela que se consolidaria e seria chamada de português.

Jejuno no assunto, sei que as línguas não são imutáveis, vão se modificando com o tempo, especialmente com o falar dos menos cultos, mas, esta variação demora muito para se consolidar. Os primeiros estudos do português, que se iniciaram ainda na Idade Média, contemplavam uma língua pouco escrita, de uma população majoritariamente analfabe­ta, surgindo então gramáticas pioneiras.

O português moderno apresenta dois gêneros de pala­vras, masculino e feminino, geralmente a terminação “o” para aquele e a terminação “a”, para esse, sendo que quando se pretende referir aos dois no plural, usa-se o masculino. O aluno, a aluna, os alunos.

A proposta atual iniciou-se com a tentativa de colocar-se “x” ou “@” no final das palavras, mas não prosperou devido a difi­culdades de pronúncia. Agora, pretende-se usar o “e”, “i” ou “u” quando se tratar de pessoas que não se sentem bem em seu sexo de nascimento. Assim, “os artistas são bons” seria “es artistes são bonés”, quando se quiser referir a um grupo de sexo alternativo.

Esquecem-se, porém, seus defensores, de que a modificação da língua se faz pelo uso e costume e não por decreto, embora sua batalha seja uma forma de tentativa de inclusão social.

Vivemos, contemporaneamente, várias modificações, no português oral: a forma culta “há um livro sobre a mesa” é paulatinamente substituída por “tem um livro sobre a mesa”, “xícara” é pronunciada “xicra”, “óculos” é “oclose” e assim a fala vai influenciando a forma. Muito provavelmente, em al­gum tempo futuro, estas formas serão incorporadas à língua.
Curioso que as línguas que adotam o gênero neutro (ale­mão, inglês, etc) o fazem sem considerar a opção sexual das pessoas indicadas.

Assim, para adotarmos o pretendido, seria necessário que o povo usasse as expressões propostas, estivessem elas na prática diária das comunicações, de tal modo que a maioria de seus usuários as incorporassem.

Querer uma mudança impositiva da língua portuguesa na forma de decreto é ir contra a história de nosso falar. Daqui a muitos anos, se a moda do neutro pegar, com certeza as gra­máticas a adotarão, o que não impede os movimentos sociais de agora para sua adoção.

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