Depois de sete horas, terminou no meio da tarde de sábado, 11 de março, a terceira cirurgia para separação das irmãs siamesas craniópagas Allana e Mariah, de pouco mais de dois anos de idade. Elas são de Piquerobi, na região de Presidente Prudente, no interior paulista, e nasceram unidas pela cabeça.
O procedimento foi realizado na Unidade Campus do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP) após ser minuciosamente planejado. Nesta terça-feira (14), parte da equipe médica, composta por cerca de 40 profissionais, concedeu entrevista coletiva.
As gêmeas responderam bem à nova intervenção e estão sendo cuidadas no Centro de Terapia Intensiva (CTI) Pediátrico do HC Criança acompanhadas pelos pais, Vinícius dos Santos e Talita Francisco Cestari. As irmãs estão se comunicando, movimentando-se e se alimentando bem.
Abril e julho
A intervenção foi realizada por equipe composta por profissionais de diversas áreas como Neurocirurgia Pediátrica, Cirurgia Plástica, Pediatria, Radiologia, Enfermagem e de apoio. A quarta etapa está marcada para abril, quando elas receberão expansores de pele. O procedimento é preparatório para a cirurgia definitiva, prevista para julho deste ano.
“Nós temos que passar por um procedimento intermediário que vai preparar, então, a pele, para que se consiga ter um resultado estético bom”, explica o professor Hélio Rubens Machado, chefe do setor de Neurologia Pediátrica do HC e líder da equipe que acompanha as gêmeas.
Além da estética, o procedimento também tem um efeito reparador das intervenções anteriores. Os expansores de pele, segundo o Hospital das Clínicas, são bolsas de silicone inflável que foram feitas especialmente para as meninas e já estão na unidade de saúde.
De acordo com a previsão médica, no fim de julho as meninas devem passar pela cirurgia final e, no mesmo dia, por uma cranioplastia, onde a equipe de cirurgia plástica deve cobrir o cérebro das meninas. Assim como nas cirurgias anteriores, o procedimento de sábado foi minuciosamente planejado com exames clínicos, laboratoriais e de imagem de ressonância magnética e tomografia computadorizada.
Tudo integrado a um sistema de realidade virtual que permite aos cirurgiões visualizar com óculos especiais a anatomia dos crânios, dos cérebros e dos vasos sanguíneos que serão abordados durante a cirurgia. A novidade nesta etapa foi a utilização de neuronavegador e realidade mista durante o procedimento cirúrgico.
Técnica
A técnica utilizada foi desenvolvida e aprimorada pelo médico norte-americano James Goodrich (1946-2020) e prevê a separação por etapas. A incidência de gêmeos unidos pela cabeça é extremamente rara, representando um caso em cada 2,5 milhões de nascimentos.
No Brasil, a primeira separação de siamesas craniópagas, as gêmeas Maria Ysadora e Maria Ysabelle, ocorreu em outubro de 2018, após cinco procedimentos cirúrgicos, pela equipe do HC de Ribeirão Preto e HC Criança. Elas voltaram para Patacas, distrito de Aquiraz, no Ceará, onde nasceram, no final de março de 2019, acompanhadas pelos pais, Diego Freitas Farias e Débora Freitas.
O processo de separação das duas, em 2018, no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, era inédito no Brasil até então. Receberam alta médica do HC Criança em 7 de dezembro de 2018. Todo o processo de separação das meninas foi custeado pelo Sistema Unificado de Saúde (SUS). Nos Estados Unidos, uma cirurgia de separação como a delas custa cerca de R$ 9 milhões.
Goodrich
O caso foi acompanhado pelo médico norte-americano James Goodrich, referência internacional em intervenções com gêmeos siameses e que faleceu por covid-19 em 2020. “Nós não podemos deixar de fazer uma referência ao Goodrich, porque foi a pessoa que mais trabalhou com esse tipo de caso tão complexo, tão difícil e tão raro.”
“Mas ele conseguiu com muita dedicação e viajando pelo mundo inteiro, inclusive vindo várias vezes a Ribeirão Preto, nos ajudar a estabelecer essa técnica”, afirma Hélio Rubens Machado. Com a terceira cirurgia, a equipe médica conquistou 75% de individualização das artérias e vasos sanguíneos.
A previsão dos médicos é que este procedimento de sábado possa avançar em mais 25% a separação dos cérebros. “Esse é um grande progresso para nós. Agora, nós precisamos de um tempo para que elas se recuperem dessas cirurgias e se preparem, então, para a próxima cirurgia, que é a cirurgia definitiva”, diz Machado.
A mãe das meninas está animada e disse, em vídeo, que as crianças estão conversando e brincando após a terceira cirurgia. “A gente só tem a agradecer”, afirma. “Somos gratos por ver, todas as vezes que elas saem do centro cirúrgico, elas saem bem”, afirma.
Segundo Talita, tudo está saindo conforme o esperado. “A gente tem muita fé que logo tudo vai acabar. Estamos nos aproximando da separação delas e, graças a Deus, até aqui, correu tudo bem e tudo vai continuar correndo com toda essa equipe maravilhosa que cuida delas”.