Adalberto Luque
Noite de domingo, 7 de agosto de 2022. Adriana Parra, de 55 anos, caminhava na calçada da rua Marcondes Salgado, Higienópolis, região Central de Ribeirão Preto. Um motorista vinha pela rua Bernardino de Campos e, ao entrar na Marcondes Salgado, perdeu o controle do carro.
Subiu na calçada e atropelou Adriana. A mulher gritava debaixo do veículo. Mesmo assim o motorista deu ré, passando novamente com as rodas sobre a vítima. Depois tentou fugir, mas foi contido por pedestres que presenciaram o atropelamento impensável.
Ele apresentava sinais de embriaguez e se recusou a fazer o teste do bafômetro. Levado até a Central de Polícia Judiciária (CPJ), no Centro, foi constatada sua embriaguez por avaliação clínica.
Adriana foi socorrida em estado grave, com diversas fraturas. Foi levada para o Hospital das Clínicas – Unidade de Emergência (HC-UE). Submetida a diversas cirurgias, foi transferida para um hospital em Lins, para tratar uma embolia pulmonar. Não resistiu e morreu em 11 de setembro de 2022.
O motorista que atropelou Adriana foi solto no dia 8, após passar por audiência de custódia. Este foi um dos vários casos envolvendo suspeita de embriaguez ao volante ocorridos em Ribeirão Preto nos últimos meses.
15 anos
Prestes a completar 15 anos, a Lei Seca ainda não conseguiu a eficácia que se pretendia, quando de sua inclusão no Código de Trânsito Brasileiro (CBT) em 2008. Ainda assim, é considerada uma importante ferramenta por quem trabalha no socorro às vítimas de acidentes de trânsito.
Segundo o médico intensivista e emergencialista Leandro Moreira Peres, que atua no Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) de Ribeirão Preto, dirigir embriagado é uma das principais causas de acidentes de trânsito em todo o mundo. Tais acidentes, muitas vezes, resultam em mortes e ferimentos graves e, para reduzir esse número, muitos países têm leis que punem severamente aqueles que dirigem sob influência de álcool.
“No Brasil, a Lei 11.705, de 19 de junho de 2008, conhecida popularmente por ‘Lei Seca’, foi uma das medidas adotadas pelo governo brasileiro com o intuito de reduzir a morbimortalidade por acidente de trânsito. Sabemos que diversos são os promotores de acidentes de trânsito, além do álcool. Outros fatores como a privação de sono, falta de manutenção preventiva de veículos, falta de educação no trânsito, uso de drogas, medicamentos que alteram a performance, dirigir em alta velocidade, desobediência às regras de trânsito e superestimação das habilidades na direção podem resultar em consequências danosas. Porém, sabemos que as intervenções que regulam e penalizam o ato de beber e dirigir estão entre as mais eficazes para diminuir a mortalidade por acidentes de trânsito”, explica Peres.
Mas, mesmo com o rigor da lei, motoristas ainda insistem em cometer a infração – ou crime, dependendo do ponto de vista do envolvido num acidente com este fator motivador. E esse tipo de ação que poderia ser evitada, acaba aumentando o número de atendimentos feitos pelo SAMU.
Em Ribeirão Preto o órgão conta com 13 ambulâncias que prestam atendimentos de socorro, 11 das quais são unidades de suporte básico e duas são Unidades de Suporte Avançado (USA), para casos mais complexos.
O SAMU conta com 94 auxiliares/técnicos de enfermagem, 67 motoristas, 16 enfermeiros e 20 médicos. Boa parte das ocorrências atendidas pelos socorristas envolvem casos de embriaguez ao volante.
“Acidente é algo que poderia ser evitado com medidas preventivas. Uma vez que ele ocorre os custos sociais, financeiros e afetivos são enormes. Principalmente porque, na maioria dos casos, os afetados são homens, jovens, em idade produtiva e a cadeia de eventos que é interrompida com um acidente grave é imensurável. As internações decorrentes de trauma grave, são longas e mesmo com todos os recursos terapêuticos disponíveis, podem gerar sequelas permanentes e até a morte”, revela a intensivista pediátrica e médica do sono Tabata Luna Garavazzo Tavares, responsável técnica do SAMU Regional de Ribeirão Preto.
Fiscalizar
Há 10 anos, no Carnaval de 2013, o Departamento de Trânsito de São Paulo (Detran.SP) criou a Operação Direção Segura Integrada (ODSI) para coibir a insistência de motoristas que ingeriam álcool e saíam dirigindo e causando acidentes, apesar da Lei Seca.
A medida é festejada pelo órgão estadual de trânsito. Nos 10 anos de sua existência, de acordo com o Detran.SP, o percentual deste tipo de infrações caiu sensivelmente. Em seu primeiro ano, a ODSI realizou 52 operações, abordou 7.920 veículos e constatou 781 infrações.
Em 2022, o Detran.SP registrou um recorde de blitze da operação, abordando 142.324 veículos e contabilizando 6.947 infrações, sendo 646 por direção sob influência de álcool, 145 por embriaguez ao volante – caracterizado crime de trânsito – e 6.156 multas a motoristas que se recusaram a testar no bafômetro. A multa nestes casos é a de infração gravíssima (R$ 293,47), multiplicada por 10, totalizando R$ 2.934,70.
“Os índices demonstram, sem dúvida, que a ODSI contribuiu para reduzir os acidentes de trânsito nas vias e rodovias paulistas, em especial aqueles provocados por condutores alcoolizados e que acabariam por infelicitar milhares de famílias. O recorde de blitze de 2022 não ficará estagnado: para 2023, o Detran.SP prevê ampliar o alcance da operação. A meta é aumentar em mais de 10% as ações em todo o Estado”, relatou o Detran.SP.
Zero Álcool
A OSDI realizou duas blitze em Ribeirão Preto, nos dias 25 e 26 de fevereiro de 2023. Uma delas na avenida Caramuru, Zona Oeste e outra na rua Dr. Demétrio Chaguri, Quintino II, Zona Norte. Nos dois eventos, 193 motoristas foram abordados e o índice foi zero álcool. Todavia, 21 destes motoristas se recusaram a fazer o teste do bafômetro e receberam multa e processo administrativo.
Durante o Carnaval, a Polícia Militar Rodoviária (PMRv) multou 129 motoristas que foram flagrados dirigindo embriagados. Foram realizados cerca de 2,2 mil testes de etilômetro na região de Ribeirão Preto, intensificando ainda mais as ações.
O médico Peres acredita que a Lei seja eficiente. “A lei não apresenta mínimo tolerável e prevê multa tanto em caso de recusa no bafômetro quanto em caso de comprovação de que o indivíduo se encontra alcoolizado, fazendo o papel dela”. Sua colega Tabata concorda. “Acredito que o mais cabível é a conscientização da população acerca do perigo real de dirigir alcoolizado, bem como a intensificação dos meios de Fiscalização.”
Combinação macabra
Adriana não foi a única morte decorrente da combinação macabra álcool/direção naquele período. Em agosto, quando ela foi atropelada na calçada, em um intervalo de nove dias, foram cinco acidentes somente em Ribeirão Preto.
O professor Sérgio Danelon, morador de Barrinha, veio à cidade para buscar um remédio que a mãe necessitava. Foi atropelado por um motorista embriagado na rua Monte Alegre, no bairro Sumarezinho, Zona Oeste de Ribeirão Preto, no dia 5 de agosto de 2022.
No dia 6, um motociclista teve o corpo dilacerado após um acidente com um motorista alcoolizado na rodovia entre Cravinhos e Bonfim Paulista. No dia 14 de agosto, dois acidentes ocorreram. Na madrugada, um casal voltava para casa após trabalhar – ele de garçom e a esposa lavando pratos – em um bar. Eles seguiam de bicicleta pela avenida Antônia Mugnato Marincek, quando um motorista, por volta de 05h00, os atropelou.
A mulher teve várias fraturas. O homem morreu dias depois de internado. Melhor sorte teve uma adolescente, atropelada na tarde do mesmo dia 14 de agosto, no Parque São Sebastião. Um motorista de caminhão, dirigindo embriagado, atropelou a jovem, que sofreu fratura de quadril. Nenhum dos motoristas seguiu preso.