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Trabalho escravo, um cálice de sangue, suor e lágrimas

Foi-se o tempo em que o brasileiro consumia apenas vinhos baratos e no ano passado, pela primeira vez, a venda de rótulos finos superou os vinhos de mesa. Pesquisas apontam que cada brasileiro, em média, bebeu 2,64 litros de vinho em 2021, muito distante dos 30 litros dos argentinos, maiores consumidores per capita do continente e dos portugueses, campeões mundiais com 69 litros anuais. Em plena expansão, o mercado nacional atrai marcas estrangeiras, instiga a disputa entre produtores locais e gera novas vagas de emprego.

Tudo caminhava bem até que uma bomba abalou o setor e o vinho azedou. Após denúncias de alguns trabalhadores que conseguiram escapar, uma operação conjunta da Polícia Federal, Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério Público do Traba­lho e Polícia Rodoviária Federal logrou êxito em resgatar mais de 200 trabalhadores, constatar as condições insalubres do aloja­mento e apreender uma arma de choque e um spray incapacitan­te, alguns dos itens utilizados para torturar os que se rebelavam. Segundo relatos eles eram submetidos a jornadas diárias de 15 horas de trabalho e, além de receber comida estragada, tinham de comprar produtos superfaturados num mercado indicado pelo patrão, um “empresário” que terceirizava mão de obra para três das maiores vinícolas brasileiras.

Após a repercussão do caso, a entidade que representa as empresas envolvidas emitiu uma nota onde alegava inocência e desconhecimento sobre a situação dos trabalhadores terceiriza­dos, defendia a apuração dos fatos, mas culpava os programas sociais pela falta de mão de obra na região. Diante de várias críticas, o texto infeliz foi retirado das redes sociais e só não foi pior do que o discurso extremista, xenófobo, racista e de ódio de um vereador de Caxias do Sul que defendeu o trabalho escravo, agrediu o povo baiano e faz apologia à contratação de traba­lhadores argentinos. O ex-patriota reproduziu o raciocínio dos senhores de engenho e cafeicultores que, com o fim da escra­vização, preferiam contratar mão de obra estrangeira, do que remunerar e proporcionar condições dignas aos negros que, até aquele momento, eram as mãos e braços que sustentaram toda a produção agrícola nacional.

O trabalho escravo contemporâneo traz profundos impactos na economia e na saúde física e mental das vítimas destruindo seus potenciais corporais e mentais, combatê-lo é um dever de todos. A primeira reação objetiva veio da ApexBrasil – serviço social autônomo vinculado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços – que promove os produtos bra­sileiros no exterior e suspendeu a participação das empresas em feiras internacionais, missões comerciais e eventos promocionais apoiados pela agência até a apuração final do caso, o Ministério Público do Trabalho no Rio Grande do Sul abriu investigação contra o parlamentar por apologia ao trabalho escravo e três pedidos de cassação já foram protocolados. Esperamos que as autoridades façam rigorosa apuração dos fatos, punam os res­ponsáveis e que todo o importante arranjo produtivo de vinhos e sucos brasileiros se adeque o mais rápido possível.

Os especialistas em vinhos ensinam que para uma análi­se gustativa, devemos avaliar itens, entre os quais: o corpo, o dulçor, a acidez, o amargor e o álcool. O movimento do consumo consciente nos convida a priorizar empresas que adotem boas práticas e o uso racional dos recursos naturais e humanos. Assim somos convidados à abstenção de consumir produtos oriundos de métodos produtivos cruéis, degradan­tes e frutos de trabalho infantil e escravo. Não dá para engolir esse cálice de sangue, suor e lágrimas.

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