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‘Há inimigos do povo que são cordiais’

Estou acompanhando atentamente todo o debate em torno da auto­nomia do Banco Central (BC) e dos juros estratosféricos que solapam a economia brasileira. O título do nosso artigo de hoje, de uma pertinência incrível, saiu da lavra do jornalista Breno Altman, que ainda afirmou que o presidente do BC, Roberto Campos Neto, não vai recuar um passo da política monetária que está aplicando e deverá manter a taxa básica de juros no patamar de 13,75% ao ano. A cordialidade de Campos Neto, nas suas últimas entrevistas, não passa de “lobo em pele de cordeiro”, como ainda salientou Leonardo Attuch, editor do 247.

Tratado a pão de ló pelos jornalistas que o entrevistaram no Roda Viva, da TV Cultura, Campos Neto se mostrou afável, simpático e disposto a “fazer amigos” durante toda a entrevista. Chegou até a re­conhecer os esforços do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em busca do equilíbrio fiscal. Mas pulou fininho quando foi questionado sobre o apoio explícito e irregular que deu a Bolsonaro na campanha eleitoral, vestindo até uma camisa verde amarela no dia da votação. Sabemos, no entanto, que o seu bom mocismo não esconde um cen­tímetro da pretensão de manter a mesma política destrutiva do BC.

A árvore genealógica de Campos Neto não nega a sua política. Ele é neto do velho Roberto Campos da ditadura militar, ministro do Plane­jamento de Castelo Branco. Ele eliminou direitos, tese tão cara até hoje ao monetarismo como escola econômica, aquela que precede e formula uma parte do que nós conhecemos atualmente como neoliberalismo. O velho Campos também tinha boas maneiras. “Não necessariamente os piores inimigos do povo são mal-educados como Bolsonaro. Há inimigos do povo que são cordiais, cultos, gentis”, completou Breno Altman.

Percebe-se claramente que Campos Neto usa a política monetá­ria como chantagem sobre o governo Lula. Ele sinaliza que poderá revisar a política monetária desde que o atual governo adote uma política fiscal restritiva, baseada no corte de gastos e investimentos. E, cordialmente, ainda dá a receita: “vocês apliquem uma política fiscal restritiva, apliquem as fórmulas da austeridade fiscal, cortem gastos, cortem investimentos, privatizem, que aí eu resolvo a política mone­tária”. Em outras palavras, ele quer dizer que o resultado da eleição presidencial não valeu nada. Será?

O presidente do BC se mantém absolutamente inflexível. Disse que votará contra a mudança na meta de inflação, o que mantém a taxa de juros de 13,75% ao ano. Ainda questionou os argumentos do economista André Lara Resende sobre os erros básicos da política monetária, mesmo com a atual meta de inflação. Disse também que não pretende renunciar ao mandato. Isso significa contaminar metade do período de governo do presidente Lula com uma política monetária recessiva em uma economia já estagnada. Esta é uma das heranças malditas de Bolsonaro.

Para este ano, economistas sérios estão afirmando que o Brasil gasta­rá nada menos que 790 bilhões de reais com os juros da dívida interna, 203 bilhões acima do que foi registrado em 2022, que já foi um recorde. Só esta diferença seria suficiente para bancar todos os programas sociais do governo federal. A política de Campos Neto é incompatível com o crescimento econômico, a geração de empregos, a harmonia social e o próprio equilíbrio fiscal. Ele ainda está dizendo que sua agenda é social e que o BC não gosta de “juros altos”. Quem gosta de juros altos, na reali­dade, é quem se beneficia da política monetária de Campos Neto.

Mas o cerco está se fechando! O assunto já está na boca do povo, não somente na boca do empresariado. Movimentos sociais estão se mobili­zando para pedir, in extremis, a cabeça de Campos Neto. Os partidos da base do governo no Congresso já conseguiram aprovar requerimento de convocação do verdugo da economia para explicar a política de juros a 13,75%. Ele já sentiu o baque. Vamos ver até onde o monetarismo resiste às pressões populares para reconhecer que houve uma eleição, alguém saiu vitorioso e é preciso se submeter à vontade popular. Afinal, Democracia não é a expressão da vontade da maioria?

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