Responda rapidamente como você ficou ao receber a notícia da crise de saúde na Terra Yanomami: admirado, assombrado, atônito, boquiaberto, indignado, revoltado, estupefato ou pasmo? Se não respondeu a nenhuma das alternativas, talvez esteja explicando com a própria conduta a tragédia que assola o país.
Desde 1500 os povos indígenas sofrem com a exploração de seu território. Especificamente os Yanomamis passaram por dois períodos de triste lembrança. Primeiro nas décadas de 1970 e 1980, durante os processos de construção e o início do funcionamento das rodovias BR-230, a Transamazônica; a BR-174, ligação de Manaus a Boa Vista, a BR-210 (Perimetral Norte) e a BR-163, que liga Cuiabá (MT) a Santarém (PA) quando se tornaram o foco da atenção mundial devido a relatos de violência, doenças e abusos por parte de garimpeiros que entraram ilegalmente em seu território.
Os dados apontam quase 8 mil mortes de indígenas. A mais recente nos últimos quatro anos, onde a gestão desastrosa da FUNAI apresentou um nítido conflito de interesses e desvio de finalidade, que afetaram diretamente a política de não contato e de respeito à autodeterminação dos povos indígenas isolados ou de recente contato. Em uma frente servidores de carreira foram substituídos por militares e representantes do agronegócio, em outra, a doutrinação de “igrejas cristãs” demonizaram a cultura e crença ancestral dos pajés, dividindo as aldeias, na terceira a expansão dos garimpos devastando grandes áreas, degradando o bioma, poluindo rios, destruindo as fontes de alimento dos Yanomamis que tradicionalmente dependem da caça, da pesca e da agricultura de pequena escala para sua subsistência.
Por mais que tentem justificar o injustificável, o ex-presidente e seus assessores foram responsáveis diretamente por incentivar garimpeiros, pescadores, caçadores, posseiros, fazendeiros e empresas madeireiras e por não adotarem medidas concretas para impedi-los. Segundo denúncia feita pelo líder indígena Junior Hekurari, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami, foram encaminhados cerca de 60 pedidos de ajuda ao governo Bolsonaro sem qualquer resposta. Enquanto isso idosos, mulheres, crianças e jovens seguem morrendo contaminados por mercúrio.
Mas isso tem uma explicação, pois durante a campanha de 2018, o então candidato Bolsonaro, prometeu “não demarcar um centímetro de terra indígena” o que foi cumprido. Estudos apontam que nos últimos quatro anos a população no Território Yanomami tem 28 mil indígenas e já foi tomado por mais de 20 mil garimpeiros. Durante algumas bravatas, o candidato derrotado, disse se orgulhar de ter “sangue garimpeiro”, que foi garimpar na Bahia nos tempos de Exército e que seu pai esteve em Serra Pelada. Seu governo ajudou a perseguir lideranças indígenas e colocou o antigo Ministério do Meio Ambiente e a Agência Nacional de Mineração a serviço de garimpeiros. Suas mãos estão manchadas com o sangue dos indígenas e ambientalistas mortos.
Em pleno século 21 é possível manter os territórios dos povos indígenas e promover um desenvolvimento sustentável da região sem a expansão desenfreada das indústrias de mineração, extração de madeira e agricultura nos territórios tradicionais. É inadmissível a ação de criminosos que descolam os indígenas de suas terras ancestrais, expondo aquele povo à miséria e proliferação de novas doenças e morte.
Ao novo governo compete adoção de medidas urgentes e contundentes para retomada do território e penalização dos culpados pelas invasões, destruições e mortes. Aos que acreditam que as notícias veiculadas na última semana são falsas, que está tudo normal ou, ainda, que os errados são os indígenas, está na hora de uma aprofundada reflexão e conscientização da própria eventual cumplicidade nessa revoltante matança.