Procuradores do Ministério Público Federal (MPF) afirmam que a situação de saúde dos indígenas yanomami foi causada pela omissão do Estado brasileiro na proteção das terras indígenas. A conclusão está em uma nota pública divulgada pela Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF, que fez um relato histórico do trabalho realizado na Terra Indígena Yanomami, localizada em Roraima.
Limitadas
De acordo com a nota, apesar dos esforços feitos pelo órgão, as providências tomadas pelo governo Jair Bolsonaro (PL) foram limitadas. “No entendimento do Ministério Público Federal a grave situação de saúde e segurança alimentar sofrida pelo povo yanomami, entre outros, resulta da omissão do Estado brasileiro em assegurar a proteção de suas terras”, diz o MPF.
Garimpo
“Com efeito, nos últimos anos verificou-se o crescimento alarmante do número de garimpeiros dentro da Terra Indígena Yanomami, estimado em mais de 20 mil pela Hutukara Associação Yanomami”, declara o Ministério Público Federal na nota. Cita ainda deficiência na oferta de serviços de saúde, falta de distribuição de remédios e a presença de garimpeiros na região como fatores que contribuíram para a situação.
“O MPF destaca também o firme compromisso da instituição de continuar atuando de forma célere e diligente, em todas as esferas e em cumprimento à sua missão constitucional para coibir as atividades ilegais de garimpo e outros ilícitos em terras indígenas, para a retirada de invasores nas Terras Indígenas Yanomami e de outros povos, como Munduruku e Kayapó, bem como para o fortalecimento da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai)”.
Crianças
Em nota, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) declara que a situação dos povos yanomami foi denunciada pelo menos 21 vezes à Justiça. Segundo a entidade, cerca de 100 crianças morreram em 2022. O governo federal destituiu 43 ocupantes de cargos de comando da Funai. As 38 exonerações e cinco dispensas atingem coordenadores nacionais e regionais; assessores; o corregedor Aurisan Souza de Santana e o diretor do Museu do Índio, Giovani Souza Filho.
Assinadas pelo ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, as portarias foram publicadas em uma edição extra do Diário Oficial da União de segunda-feira, 23 de janeiro. No mesmo dia, o governo federal exonerou os responsáveis por comandar as equipes de onze dos 34 distritos sanitários especiais indígenas (Dsei), subordinados ao Ministério da Saúde.
Ao ser consultado, o Ministério da Saúde informou que as substituições fazem parte do “processo natural da transição de governo” – quando quase a totalidade dos ocupantes dos chamados cargos de confiança são substituídos por outras pessoas – não comprometendo o trabalho de assistência à população indígena.
Funai
A Funai, antes vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, agora está subordinada ao Ministério dos Povos Indígenas, pasta criada este ano, pelo governo Lula. Militares da Força Aérea Brasileira (FAB) começaram a montar, em Boa Vista, o primeiro dos hospitais de campanha que o governo federal planeja utilizar para atender índios da etnia yanomami.
Segundo o secretário nacional de Saúde Indígena, Ricardo Weibe Tapeba, mais de mil pessoas com graves problemas de saúde já foram transferidas da Terra Indígena Yanomami, perto da fronteira com a Venezuela, para a capital de Roraima – uma viagem que, em aviões de médio porte, dura, em média, duas horas.
Calamidade
“Pudemos presenciar o estado de calamidade em que o território [yanomami] está. É um cenário de guerra. Nossa unidade de saúde indígena, em Surucucu, assim como a nossa Casai [Casa de Apoio à Saúde Indígena] aqui, em Boa Vista, são praticamente campos de concentração”, declarou o secretário, hoje (24), ao conversar com jornalistas, na capital roraimense.
Na segunda-feira havia 583 pessoas alojadas na unidade de saúde de Boa Vista, para onde parte dos yanomami doentes está sendo transferida para receber tratamento médico adequado. Do total, 271 indígenas eram pacientes; 257 acompanhantes e 55 índios que já receberam alta médica e aguardam uma oportunidade de voltar a seus territórios.
Crime
Quatro deputados federais do PT protocolaram, no domingo (22), representação criminal na Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e a ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos e senadora eleita Damares Alves (Republicanos-DF). Eles são suspeitos de crime de genocídio contra os povos Yanomami em Roraima.
A representação também inclui todos os ex-presidentes da Fundação Nacional do Índio (Funai) durante o governo Bolsonaro – no período de janeiro de 2019 a dezembro de 2022. Assinam a representação os parlamentares Alencar Santana (SP), Maria do Rosário (RS), Reginaldo Lopes (MG) e Zeca Dirceu (PR).
Na representação, os deputados defendem que esses gestores são “diretamente responsáveis, por ação ou omissão, pelas mortes e infortúnios vivenciados pelos povos Yanomami e outras comunidades indígenas e deverão ser qualificados e responsabilizados”.