Tribuna Ribeirão
Cultura

Espetáculo traz conquistas e tragédias de Santos Dumont

O clique veio com o emo­cionado e empoderado dis­curso de Lady Gaga pelo prêmio de melhor canção original, na cerimônia do Os­car de 2019. “Entre lágrimas, ela disse que trabalhou duro para chegar até ali, e que sua vitória não era sobre ganhar, mas sim sobre não desistir”, comenta o diretor Thiago Gimenes. “Era a vitória da persistência”, completa a tam­bém encenadora Keila Fuke. Juntos, eles concluíram que esse era o perfil ideal do pro­tagonista do musical que pre­tendiam criar. “E logo nota­mos que a história de Santos Dumont se encaixava nesse personagem”, diz Keila.

Em 2023, comemoramos os 150 anos de nascimento de Santos Dumont

A dupla, portanto, criou e também dirige “Além do Ar – Um Musical Inspirado em Santos Dumont”, que estreou oficialmente na sexta-feira (20), no teatro Opus Frei Ca­neca. Não se trata, porém, ofi­cialmente de um lançamento, pois o espetáculo teve dez apresentações em Campos do Jordão naquele mesmo 2019 – a peça iria para São Paulo no ano seguinte, mas a pan­demia atrasou o plano.

“Reestrear agora ganha for­ça pois, em 2023, comemora­mos os 150 anos de nascimento de Santos Dumont”, lembra Gi­menes. Também marca o início das comemorações dos 15 anos da Fundação Lia Maria Aguiar, que proporciona a crianças e jovens de baixa renda a oportu­nidade do despertar para a arte – é o que explica a presença de 45 crianças e jovens, aprovados em audições realizadas no nú­cleo de teatro da fundação, no elenco de 51 atores.

“É uma rara oportunidade para eles conhecerem com de­talhes a história de um gran­de brasileiro”, comenta o ator Cassio Scapin, que vive Du­mont na fase terminal da vida, marcada pelos questionamen­tos sobre sua criação ante a situação política da época. Os outros momentos da trajetória do Pai da Aviação são inter­pretados por Mateus Ribeiro, um dos principais nomes do teatro musical brasileiro e que é o Dumont no auge dos seus 20 e poucos anos, enquanto os jovens atores Felipe Prestes e Henrique Oliveira, alunos da fundação, retratam a infância.

Os quatro, muitas vezes, dividem a mesma cena gra­ças a uma liberdade artística de Fernanda Maia, autora do texto, livremente inspirado na vida de Alberto Santos Dumont (1873-1932), não somente o inventor ousado e determinado, mas também o homem que teve dúvidas a respeito de suas invenções.

Guerra
O espetáculo começa com Scapin pensativo, andando pelo palco. Ao lado de um menino, ele conversa sobre o passado e, principalmente, o futuro. Aos poucos, a plateia descobre que estão ali a mes­ma pessoa, mas em diferen­tes épocas da vida. “Santos Dumont vive os últimos mo­mentos de vida, quando as lembranças se embaralham em sua cabeça, sem ter uma ordem cronológica”, comenta Ribeiro. “E quando também está marcado pela tristeza de ver como suas invenções pas­saram a ser usadas de uma maneira sangrenta em guer­ras”, completa Scapin.

De fato, um dos mais ge­niais brasileiros de todos os tempos e dono de incansável curiosidade, Santos Dumont foi, desde sempre, marcado por uma incansável curiosi­dade pelo inatingível, evo­luindo seu conhecimento na direção tanto da dirigibili­dade do balão como no pio­neirismo do avião. E, mesmo com as grandes quedas que sofreu com os protótipos an­teriores, resistiu até dar o fa­moso “pulinho” de apenas 60 metros, aquele realizado em 1906, em Paris, com o 14-Bis.

“Como Lady Gaga, ele trabalhou duro, enfrentou a suspeita de que os irmãos americanos Wright teriam a primazia de ter feito o pri­meiro voo em um aparelho mais pesado que o ar, até con­seguir um reconhecimento”, comenta Thiago Gimenes, que compôs letras e músicas do espetáculo, que tem Keila Fuke à frente das coreografias e direção de movimento. “As­sim, depois de sofrer um gra­ve acidente com o Demoisel­le e principalmente quando é precocemente diagnosticado com esclerose múltipla, ele revisita sua história, emba­ralhando memórias tristes e alegres”, completa Keila.

Herói
Temas sensíveis, como o suicídio por enforcamento, não são evitados, mas apre­sentados de forma lírica e de­licada. “Durante 12 anos, pelo menos, dizia-se que ele mor­rera de um ataque cardíaco, pois um herói nacional não podia tirar a própria vida”, afirma Gimenes. “Mas ele se matou, como fizera sua mãe, e em um momento em que já estava com os movimentos debilitados, como sofrera seu pai no final da existência.”

O espetáculo se apoia, na verdade, no resgate do meni­no sonhador que ama desco­brir o mundo e suas possibi­lidades, até se tornar um dos homens mais importantes da história da humanidade. “E, demonstrar isso por meio de um musical, permite aproxi­mar a plateia da trajetória de um ser que, para muitos, só é conhecido por dar nome a um aeroporto no Rio de Ja­neiro”, comenta Ribeiro.

O elenco de atores convi­dados é formado por nomes tarimbados do musical, como Daniel Cabral, Marcelo Fer­rari e Pedro Navarro, que vi­vem com brilho os mecânicos que ajudaram Santos Dumont em Paris; Ubiracy Brasil, em grande momento como Hen­rique, o pai do aviador; Liane Maya como Eulália, gover­nanta de Alberto no final de sua vida; a compositora An­drea Marquee, no papel de Virginia, irmã do protagonis­ta; além de Lázaro Menezes e Renato Bellini, que se dividem em vários papéis.

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