Adriana Dorazi – especial para o Tribuna Ribeirão
Crianças que ficam tempo demais usando telas, como celulares, tablets, computadores, televisão ou vídeo game estão apresentando problemas de visão cada vez mais cedo e com maior gravidade. A constatação é do Conselho Federal de Oftalmologia, confirmada pelas secretarias da Saúde de São Paulo e de Ribeirão Preto.
Aqui, entre 2021 e 2022, mais de 5.926 crianças e adolescentes (de 0 a 16 anos) foram levados pelos pais ou responsáveis até o consultório do oftalmologista na rede municipal. O número é crescente desde o início da pandemia da covid-19. Doenças como miopia e astigmatismo aumentaram a necessidade dos óculos entre os pequenos.
Ísis, de seis anos, é um desses casos. De família com histórico de problemas de visão, a mãe Sara Cristina Oliveira e Silva Merzvinskas percebeu as dificuldades e levou a pequena ao especialista. “Ela reclamou de dor de cabeça e dificuldade para ler na lousa. Nós a levávamos ao oftalmo desde bebê, mas foi com a pandemia que a dificuldade para enxergar cresceu acima do esperado”, relata Sara.
“Pelo que a médica nos disse, a causa está relacionada ao excesso de telas, deixamos de exercitar a visão de longe, ter mais vivências fora de casa, que pode atrofiar a musculatura. Quando descobrimos o grau estava avançado pela idade dela”, completa a mãe.
Para o médico do Conselho Federal de Oftalmologia, Hallim Feres Neto, o campo visual dos adultos também ficou mais estreito a pouca distância das telas em relação aos olhos com menos reuniões presenciais, aulas online. “Quando temos um esforço visual mais para perto há perda, acomodação da musculatura. Nas crianças é ainda mais grave porque o olho ainda está em desenvolvimento”, alerta.
Aumento generalizado
De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo foram 866 casos de miopia diagnosticados entre crianças de até 10 anos em 2019 (antes da pandemia) em um total de 260.587 consultas. Em 2022, até setembro, foram 2.026 casos em 222.754 consultas, aumento de 139%.
A miopia é a dificuldade de enxergar de longe. Férias escolares também podem facilitar que as crianças fiquem mais tempo sem exercitar os olhos para diferentes distâncias e luminosidades. A Organização Mundial da Saúde também já relatou o aumento do problema em nível mundial.
Os sinais de alerta incluem dor de cabeça, coceira nos olhos, caretas ao tentar enxergar, relatos de dificuldades para ver com nitidez em diferentes distâncias. Algumas crianças podem não relatar o problema por achar “normal” ou se adaptarem à dificuldade. A recomendação é levar os pequenos para uma avaliação com especialista até dois anos, a partir dos 5 anos as consultas deverão ser anuais.
Rachel Pieri Garcia é proprietária de uma ótica em Bonfim Paulista. Relata que a procura por óculos infantis dobrou nos últimos meses. “Notamos mudança na procura desde o início da pandemia. As crianças precisam passar por uma adaptação com o uso, os pais devem estimular. Os óculos estão mais modernos, seguros e bonitos, o que ajuda muito”, relata.
Dicas de prevenção incluem pelo menos uma hora e meia de atividades ao ar livre por dia, controle do tempo nas telas, controle do brilho das luzes e pelo menos 35 cm de distância do aparelho em relação ao olho. Óculos mais modernos e lentes mais leves facilitam a adaptação dos pequenos aos óculos.
A secretaria da Saúde de Ribeirão Preto abriu um chamamento público para doação de óculos que está disponível no Diário Oficial do Município. Devem ser beneficiadas crianças carentes que precisam do acessório, mas não têm condições de comprar. Óticas parceiras já vêm fazendo ações para ajudar esse público, mas muito menores do que a demanda.
O especialista alerta
Hallim confirma, no consultório, aumento de crianças reclamando de dor de cabeça ou de visão ruim para longe. “Isso aconteceu não só em crianças que já usavam óculos e o grau aumentou, assim como crianças que não tinham nada anteriormente e passaram a apresentar miopia”, descreve.
O perigo é maior para as crianças que precisavam de acompanhamento mais próximo devido a doenças como ceratocone ou glaucoma e perderam o acompanhamento, voltando com a visão muito pior. “Recomenda-se análise da retina entre 12-18 meses de idade. Depois disso é importante a avaliação da visão em cada olho separadamente, pelo menos uma vez ao ano até os 10 anos de idade.
Já há fortes evidências de que a exposição a eletrônicos portáteis influencia no aumento da miopia. “Além disso, vale dizer, que já é confirmado que a luz solar previne a miopia, ou ao menos retarda a evolução dela. Então é importante ter mais exposição ao sol e menos ao computador ou celular, justamente o oposto do que aconteceu na pandemia”, lamenta.
De acordo com o especialista, as pessoas têm uma ideia de que a miopia não é um grande problema, afinal resolvemos simplesmente com o par de óculos, mas isso não é sempre verdade.
Quanto mais cedo a miopia aparece, mais tempo tem pra evoluir, ou seja, vai chegar em graus altos. A alta miopia também é outra doença, que traz problemas como degeneração macular miópica, descolamento de retina e glaucoma. “Isso infelizmente vai piorar significativamente a qualidade de vida dessas crianças quando chegarem à idade adulta”, conclui, o médico.