Adriana Dorazi – especial para o Tribuna Ribeirão
“Desapego Chic”. O nome da loja já diz muito de um setor da economia que está em ritmo acelerado, inclusive na região de Ribeirão Preto. É a moda circular, ou os conhecidos brechós. Mas o conceito de lojas simples, com público pobre e peças que nem sempre têm muita qualidade, foi abandonado de vez nos últimos anos.
Raissa Balieiro é a proprietária dessa loja que fica perto de um shopping, em área nobre. Somente aceita peças em perfeito estado. Todas são higienizadas, etiquetadas e embaladas como novas. O espaço de vendas é bonito, perfumado e não deve em nada para lojas de marcas de luxo. Roupas e calçados caros de grifes podem ser encontrados com até 80% de desconto.
Ela explica que especialmente as mães procuram os brechós porque os bebês e crianças menores perdem muito rápido o vestuário. Levam o que não usam mais, ganham crédito para novas compras. “Notamos crescimento em torno de 20% no mês de outubro a dezembro, mas já vínhamos em expansão. Temos duas lojas e pretendemos ampliar mais”, afirma.
A loja de Raissa tem cinco anos e meio. A Copa do Mundo do Catar e o Natal também impulsionaram as vendas no último trimestre de 2022. Para ela e o marido Kelvin, que atuam juntos no empreendimento, o crescimento foi de pelo menos quatro vezes nesse período.
Franquias com esse foco também estão surgindo em todo o país, seja com lojas físicas, pelas redes sociais, aplicativos de mensagens ou e-commerce. O desejo de consumir de forma consciente é um dos lemas dos frequentadores atuais dos brechós que surgiram no século XIX. Ainda em 2019, antes da pandemia, o setor contabilizava nacionalmente crescimento de pelo menos 25 vezes. Mesmo em cenário de incertezas, não pisa no freio.
Empresas especializadas do setor da moda apostam que essas compras estão entre as preferidas dos brasileiros e podem superar o mercado convencional até 2024. Pesquisa da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas aponta que 90% de quem compra usados confirma estar satisfeito. Levantamento do Serviço Brasileiro de Apoio às Microempresas (Sebrae) confirma 13 mil pequenos negócios que sobrevivem desse mercado em 2021.
Nova geração mais consciente
A pandemia pode até ter acelerado a ascensão dos brechós, mas o fenômeno começou antes. Tem relação com uma transformação no mundo. As novas gerações estão cada vez mais conscientes, buscando consumo sustentável, não apenas no que vestir. E o mercado não pode ignorar essa tendência.
90% dos jovens da geração Z (nascidos depois de 1997) acreditam que as empresas precisam lidar com problemas ambientais e sociais, optando por deixar de comprar se esses critérios não forem atendidos por suas marcas preferidas.
Não é à toa: a indústria da moda é responsável por cerca de 10% das emissões globais de carbono e quase 20% do consumo de água. Por isso, não só comprar peças usadas deixou de ser algo mal visto como se tornou cool, descolado. Jogar roupas conservadas no lixo é quase que um atestado de culpa. As maiores compradoras são mulheres jovens, entre 18 e 45 anos, de classe média e antenadas nas discussões socioambientais.
E engana-se quem pensa que o boom dos brechós está apenas nos pequenos e médios negócios. Esses negócios já estão na bolsa de valores. Uma das marcas é a Enjoei, marketplace que surgiu em 2012 como um blog e, hoje, permite que qualquer um compre ou venda seus produtos que enjoaram de usar. Ações em alta acompanhando as tendências de varejo.
Até as famosas grifes da moda, como as italianas, já se mexeram e anunciaram nichos para essas trocas e reúso. Não é pra menos, 82% das pessoas já compraram ou estão dispostas a comprar itens usados quando o dinheiro aperta, com pegada ambiental e social de brinde.
Atendimento, qualidade, procedência fazem toda diferença para o cliente.
E, se a pandemia obrigou os empreendedores a se digitalizarem, as vendas online ainda são um desafio para brechós, especialmente aqueles que também têm ponto físico, alta demanda e poucos funcionários ou experiência no mundo digital. Como são sempre peças únicas, pode haver disputa pelo item ao mesmo tempo entre consumidores em suas casas e na loja, por exemplo – a cliente que sair de mãos abanando vai ficar insatisfeita, e pode não voltar mais.
Seja como empreendedor, seja como consumidor, uma coisa é certa: para os brechós o momento é de virada de um negócio milenar, repaginado. É a hora de olhar para o guarda-roupa.