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O primeiro olhar

O primeiro olhar nem sempre traduz a essência do ente observado, seja ele uma pessoa, um fato, um governo. Mas não deixa de mostrar si­nais que interpretam as imagens colhidas por nossos sistemas cognitivos.

Sob esse amanhecer, ainda turvo, este analista tenta enxergar os primeiros passos do governo Lula 3, sem pretensão de julgar, criticar, opinar, e com o mero propósito de ajudar a entender o que poderemos ter pela frente no exercício da administração federal nos próximos anos.

Começo com a inferência de que Lula da Silva será um governante muito centralizador, chamando a si as decisões de viés polêmico, como mostrou em sua primeira reunião com os 37 ministros, ocorrida no dia 6 de janeiro. O risco de divergências em um corpo tão comprido de inte­grantes é grande, maior do que no passado. A imagem do governo, ante eventuais querelas ministeriais, estaria muito abalada e Lula quer blindar sua administração desde já.

O país político abriga, no ciclo que se inaugura, um infindável esco­po de demandas, visões diferentes, correntes partidárias, ainda ferventes na onda do polarizado e disputado pleito eleitoral. Que rachou o país ao meio. Mesmo com o acentuado discurso de que governará para todos, Lula deverá enfrentar tempestades no curto e médio prazos. Deixemos o longo prazo para depois. Não é possível enxergar longe.

Irá conter os quadros sob sua ordem de integração de pensamentos e ideias? Depende. Se a economia deslanchar e as nuvens se dissiparem, essa hipótese será viável. Mas não se espere calmaria ao redor da Torre, que pode ser a de Babel, cheia de brados, uns contra outros. Donde é razoável prever a troca de figurantes na Esplanada dos Ministérios.

Outro imbróglio a ser objeto de polêmica é o teor do petismo na administração. É conhecido o propósito de voltar a instalar uma era hegemônica por parte do PT. Que pensa em lubrificar os parafusos da engrenagem administrativa, ocupando cargos-chave e espaços que pos­sam aumentar seu poder.

Lula, porém, foi eleito por uma frente ampla de partidos e correntes. E sabe que milhares de eleitores votaram nele por defender a ordem democrática. Não por simpatia a ele ou apoio ao PT. A consciência de­mocrática motivou parcela do eleitorado.

Tal consciência tende a se espraiar pela comunidade política, a ponto de ser ela, em 2026, o ponto dentro da curva a definir o sucesso de uns e o insucesso de outros na moldura eleitoral. Lula sabe disso, experien­te que é, mas o PT tem outro pensamento. Vai lutar para estender sua condição de primeiro ente partidário. PT versus frente ampla será um problema para Lula administrar.

Na sequência das montanhas que Lula deverá escalar, está sua visão – o teto de gastos é uma estupidez – e a visão do bom senso, ancorada na opinião de economistas e investidores, que prega res­ponsabilidade fiscal, sustentabilidade das contas públicas. Fernando Haddad, o ministro da Fazenda, mais parece, hoje, um dândi na escuridão ou, em outra imagem, um ministro saltando entre a cruz e a caldeirinha. O que diz abala o mercado. E o que não diz também. A ministra Simone Tebet, do Planejamento, será o contraponto ao desenvolvimentismo gastador de Haddad.

Os eventos acontecem na esteira das circunstâncias. Na área do meio ambiente e mudanças climáticas, será travada a mais contundente bata­lha. As medidas e os meios de controle e de punição, criados sob a visão da ministra Marina Silva, propiciarão imagens impactantes para uso da mídia e ajustamento do país à pauta ambiental. A ex-senadora é um dos ícones mais festejados do ambientalismo do planeta. E a cara do Brasil tende a criar simpatia no contexto das Nações.

Economia consolidada, garantindo crescimento razoável do PIB; contas públicas sob olhar não tão severo do chefe Haddad; esfera política satisfeita com atendimento a suas demandas; frente de apoio no Con­gresso que seja capaz de aprovar a agenda do Executivo; extenso cobertor social que cubra todo o corpo das margens carentes e consiga agradar os estômagos famintos; e um estilo de governar sem ranços de vingança e que contenha a ambição desmesurada do PT – são esses os sinais que se enxergam, desde já, para o país chegar ao porto seguro de 2026.

Para um governante bem-sucedido, dizer que não será candidato à reeleição é lorota. Lula promete se conter com este mandato. Blefe. Claro, não pode e não deve acenar com esta possibilidade hoje. Abriria uma toada de zangas e divergências. Mas as glórias do poder acalentam corações e mentes. Mais ainda, figuras que vestem o manto de reconstru­tor do país.

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