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Cultura

Spielberg faz declaração de amor à família em ‘Os Fabelmans’

Foto: Instagram @stevenspielbergfans
Por Luiz Carlos Merten, especial para o Estadão

Em sucessivas entrevistas sobre seu novo filme, Os Fabelmans, que estreia nesta quinta, 12, Steven Spielberg tem repetido que a sensação visceral é de que ele saiu do seu corpo, como se fosse uma parte dele próprio. Precedendo o filme propriamente dito, Spielberg agradece ao público por ver seu filme, e mais ainda por vê-lo no cinema. Acrescenta que Os Fabelmans é uma carta de amor à família – a seus pais – e também uma declaração de amor ao cinema. O filme começa justamente com a ida ao cinema, o primeiro filme que o garoto Spielberg viu com papai e mamãe. Ele tem medo do escuro, das figuras muito grandes na tela. Papai e mamãe o tranquilizam. Dizem que o filme, O Maior Espetáculo da Terra, de 1952, é sobre circo, será um programa leve e divertido. Não é – Spielberg escolhe mostrar justamente a cena do choque dos dois trens.

De volta à casa, mudo de espanto – de admiração? -, Sam, o garoto do filme, tenta reproduzir o acidente com o trem que ganhou de brinquedo. No livro Steven Spielberg – A Biography, de Joseph McBride, o autor lembra que a mãe do futuro diretor gostava de chamá-lo de Cecil B. DeSpielberg e o próprio Spielberg dizia que seu sonho, quando começou a fazer filmes, era virar o DeMille da ficção científica.

Ficção científica

É curioso, ele reconstitui o experimento que foi seu primeiro filme de guerra – Escape To Nowhere -, mas não o primeiro de todos, que abre o livro de McBride. Em 24 de março de 1964, no Phoenix Little Theatre, na capital do Arizona, Steven mostrou Firelight. Uma história sobre luzes no céu – naves alienígenas? – que abduziam pessoas. Toda a produção posterior de ficção científica de Spielberg deriva daquela aventura pioneira.

No livro, McBride também evoca a admiração do futuro diretor por John Ford. Em Os Fabelmans, Spielberg mostra cenas de O Homem Que Matou o Facínora, o clássico de Ford de 1962. Na autoficção de Spielberg, coescrita com o dramaturgo Tony Kushner – autor de Angels in America -, o garoto descobre, ao editar o material que filmou num acampamento de férias, a ligação afetiva da mãe, Michelle Williams, com Seth Rogen, o melhor amigo do pai, Paul Dano. O triângulo ocupa o centro de Os Fabelmans.

Em 1986, quando fez o também autobiográfico Esperança e Glória, John Boorman vale-se da saga arturiana – Camelot – para lembrar como, criança, também descobriu o envolvimento da própria mãe com o melhor amigo de seu pai. Spielberg nunca negou que o divórcio dos pais teve um efeito devastador sobre ele. Garoto judeu, criado em bairros wasps das diferentes cidades em que a família morou, ele sempre se sentiu uma espécie de ET, vivendo retraído, senão isolado. O cinema permitiu-lhe a integração social, mas Spielberg evoca os ataques antissemitas que sofreu e estão na origem de seus filmes mais premiados – A Lista de Schindler e O Resgate do Soldado Ryan, o segundo assimilando o talvez maior ensinamento da Torá: “Apenas uma vida já vale todas as vidas”.

Família, identidade, a paixão do cinema, Os Fabelmans aborda temas vastos, e muito importantes, mas há que prestar atenção num aspecto decisivo do novo Spielberg. Como se estivesse respondendo a uma hipotética pergunta sobre o que é o cinema, ele faz o que não deixa de ser uma confissão. O cinema, para Sam, para ele, é essa ferramenta para investigar a interioridade das pessoas. O que ele descobre sobre a mãe o faz pensar em desistir, porque é muito pesado para um garoto. O filme sobre a festa de conclusão da escola também o leva a descobrir algo sobre o atleta da turma, e essa revelação, que é do próprio cara, o leva a mudar seu comportamento com Sam.

Mas Spielberg ainda guarda uma revelação – provocação – para o fecho de Os Fabelmans. Sam, convencido de que seu futuro está no cinema, desiste de estudar matemática, como queria seu pai. A mãe, antes disso, divide a família – arte vs. ciência. Sam ganha seu primeiro contrato na CBS. Ali do lado, no estúdio, está o escritório de John Ford.

Scorsese

Em um encontro com o também diretor Martin Scorsese, Spielberg conta como convenceu David Lynch a interpretar o grande Ford. A cena é maravilhosa. Ford/Lynch pede a Sam/Spielberg que diga o que vê em dois quadros. Atenção para o spoiler.

Em um deles, a linha do horizonte está abaixo; no outro, acima. Ambos os quadros são interessantes, diz Ford. Se a linha estivesse no meio, seria chato. Há controvérsias. Ford, Raoul Walsh ou Howard Hawks, quem foi o maior criador de western? Hawks definia seu cinema colocando a câmera à altura dos olhos do homem. Seria o meio do quadro.

Spielberg prefere Ford a Hawks, não é nenhuma novidade. Scorsese, com quem ele dialoga, há tempos repete Hawks, que refez Rio Bravo/Onde Começa o Inferno, como ele não se cansa de refazer Os Bons Companheiros. Os Fabelmans tem muito mais segredos e mistérios nas entrelinhas do que pode parecer.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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