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Verona provinciana no auge do café

O velho coronel gostava de se sentar na varanda da casa grande, na praça principal da sua cidade montanhosa, de onde podia ver o início do mar verde de seus cafezais, que começavam nos morros ao longe e cobriam vasta superfície da região.

Era respeitado por sua conduta de chefe político enérgico, mas justo, contribuía com a Igreja, havia constituído enorme família e vivia seus dias de mando, acatado por quase todos, devido a sua riqueza e às suas terras.

O partido dele dominava a cena política há muitos anos e nada se fazia sem se ouvir o chefe. A oposição era incipiente, as eleições se re­solviam a bico de pena, um reflexo da política estadual. Havia outros partidos, mas, em sua cidade, eles não prosperavam.

Essa paz e tranquilidade começou a ser ameaçada quando, de São Paulo, enviou-se um jovem engenheiro para organizar a oposição, granjeando o apoio daqueles poucos que contestavam o jugo do coronel.

Ele fez de tudo para impedir o progresso da missão do jovem opositor. Convocou partidários para inúmeras conversas, trocou alguns correligionários mais sensíveis aos apelos pela diminuição de sua autoridade, distribuiu mais dinheiro para a quermesse da Igreja, ordenou ao delegado que aumentasse a pressão sobre os que não o aceitavam, que passaram a ser chamados continuamen­te para esclarecimentos.

Uma tarde, atravessando a rua em frente a sua casa, foi colhido por um automóvel, sofrendo vários ferimentos e uma internação. O motorista foi identificado e preso. Supunha-se que teria sido um aten­tado para matar o chefe político, mas concluiu-se por uma fatalidade, numa época de poucos carros e condutores medianos. Mas, o coronel nunca aceitou essa tese e, até o final de sua vida referia-se ao atentado.

O velho coronel tinha várias filhas, dentre elas a bela Teodósia, estu­dante dedicada, exímia pianista, que encantava os presentes nos saraus com seus recitais. Tão bonita figura impressionou o jovem engenheiro. De olhares furtivos nas missas e no “footing” da praça, os dois jovens se aproximaram e nasceu avassaladora paixão escondida de todos.

Numa cidade pequena, numa sociedade de pouca liberdade para as mulheres, o caso acabou chegando ao conhecimento do coronel, que chamou e repreendeu a filha. De tantos pretendentes, ela fora logo escolher seu inimigo, o homem que queria acabar com seu domínio político, o adversário que mandara matá-lo.

Bem que Teodósia, filha exemplar, tentou abafar a paixão, porém sem sucesso. Num fim de tarde, quando as sombras já toldavam o vasto mar de café ao longe, comunicou ao pai que iria se casar com o Dr. Fernando.

O velho e abatido coronel baixou a cabeça, ficou em breve silêncio, depois disse à esposa, que a tudo assistia: “Morreu hoje para nós a nossa filha Teodósia. Nunca mais quero vê-la. Ela deve sair desta casa o mais tardar até amanhã à noite e não quero que aqui volte jamais “. Os olhos da esposa se encheram de lágrimas, mas, obediente, não contradisse o coronel.

No meio do dia seguinte, Teodósia mudou-se para a casa de uma irmã, casada com importante médico de uma cidade vizinha e de onde saiu para a cerimônia religiosa de seu casamento com o Dr. Fernando.

Mais de quarenta anos desse dia, instado pela família, que não rompera com Teodósia, o velho coronel concordou em receber em sua casa a filha e seus netos, mas não o Dr. Fernando. Junto da maioria dos familiares, Teodósia beijou carinhosamente o pai e lhes apresentou os dois meninos e as três meninas, seus netos que não conhecia. O tempo amaciara o coração do velho e o encontro se pro­longou por várias horas, com histórias vividas por todos. Parecia que o passado estava esquecido…

Nem bem as visitas se despediram, o velho coronel confidenciou à esposa: “Perdoo tudo, menos aquele desgraçado do Fernando!”.

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