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O velório do Fumaça

Minha paixão pelo samba levou-me a arregimentar um grupo com o mesmo objetivo. Eu com meu violão e cavaquinho, Hamilton com seu pandeiro, Bacon e seu surdão e Berimbau levava chocalho, tamborim e mais uma pá de instrumentos baianos que ele trouxe de Salvador, do tempo em que tocava nos trios elétricos com famosos.

Berimbau tinha esse apelido porque seu corpo tinha a enverga­dura do famoso instrumento baiano. Teve que vazar da capital baia­na porque o ano inteiro chegavam mocinhas de todo canto do Brasil com filho no colo dizendo que ele era o pai. Encontrou sossego aqui, em Ribeirão Preto, onde vendia seguros para uma grande empresa. Certo dia, por acaso, apareceu na nossa roda de samba e ficou.

A vida seguiu a todo vapor e, num final de tarde de sábado, fazíamos uma roda de samba num bar no Jardim Paulista quando, do nada, surgiu uma figura simpaticíssima. Já chegou na roda cantando, sua voz era grave e forte, também muito alta como a do nosso sambista Fulô ou do Neguinho da Beija Flor. Seu repertório passeava pelo nosso com de­senvoltura, dava o tom e a gente o acompanhava. O caboclo cantava de Noel Rosa e Ary Barroso a João Bosco e Toquinho.

Demos um tempo no samba pra molharmos a palavra, então aproveitei para identificar esse sambista de primeira que caiu ali de paraquedas, e perguntei: “Cara!!! Quem é você e onde escondia tanto talento? Você canta muito, amigo, e canta a nata do samba, que prazer ter você no nosso samba, parceiro.”

Ele, meio que sem jeito, abriu enorme sorriso e se apresentou: “Olha, eu me chamo Carlos Alberto, mas ninguém me conhece pelo nome e sim pelo apelido… Fumaça. Sabe como é, parceiro, essa minha cor de ébano deixa a mulherada louca, muitas me chamam de marrom provocante”. Ele falava assim e ria pra valer.

Dono de uma simpatia invejável, Fumaça passou a ser um dos nossos e em toda roda de samba lá estava ele. Era a alegria em pessoa, dentição perfeita, parecia as teclas de um piano, sempre com namorada diferente e cada uma mais linda do que a outra. Mas uma coisa no Fumaça deixava o grupo cabreiro, pois ele era casado, e como ele fazia para driblar sua primeira-dama e seus dois filhos, com idades entre dez e doze anos, imagino o lero que aprontava. Enfim, era liso como sabão.

Uma bela manhã, Berimbau me liga noticiando que um en­farte fulminante levou nosso Fumaça pro subsolo. E disse mais: “Buenão, dia desses ele me fez um pedido. Se morresse primeiro, em seu velório não queria tristeza e sim que nosso grupo fizesse uma roda de samba”. “Fechado com o Fumaça”, emendei.

O dono do bar, como reconhecimento, rebocou pro velório seu maior freezer lotadaço de cevas. Mandou também seu torresmeiro pra fritar uns petiscos. Nosso samba comia solto, Fumaça lá no caixão deita­dinho, de um lado sua primeira-dama e seus filhos, do outro lado duas lindas amantes, uma consolando a outra. O velório seguia numa boa, mas de repente chega no pedaço uma mulher maravilhosa.

Berimbau comentou ser a mais nova conquista do sambista. Paramos o samba. A mulher era alta, vestido preto e longo com uma fenda generosa, sapatos de salto, chapéu com aquele man­jado véu de velório, luvas longas, no braço uma bolsa de marca famosa. Toda charmosa, ela se aproximou do caixão.

As duas amantes, quando viram a bonitona, foram pra cima dela. Quebraram o maior pau. Foi um sururu. Protegemos nos­sos instrumentos, os seguranças, espertos, botaram ordem no galinheiro. Aproveitei aquele momento de calmaria, me aproxi­mei do marrom provocante e falei: “Fumaça, mas que confusão você me arrumou, parceiro!!!”

Um leve sorriso no canto da sua boca parecia me dizer: “Bue­não, é chato ser gostoso!!!”

Sexta conto mais.

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