O advogado Lucas Gabriel Pereira é o novo presidente do Conselho de Preservação do Patrimônio Cultural de Ribeirão Preto (Conppac). Ele foi eleito no dia 11 de abril e terá um mandato de dois anos – 2022 e 2023. Ao Tribuna Ribeirão, Pereira afirmou que irá criar o Regimento Interno do Conselho e viabilizar a implementação do Fundo Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural.
Tribuna Ribeirão – Recentemente a Associação Comercial e Industrial de Ribeirão Preto divulgou um levantamento em que afirma que Ribeirão Preto tomba muitos imóveis. O senhor concorda com esta conclusão?
Lucas Gabriel Pereira – Primeiro, insta saber: a quem interessa esta pesquisa e quem participou dela. Considerando que o primeiro tombamento na cidade atingiu maioridade recentemente, tendo como ponto de partida o tombamento simbólico do Hotel Brasil, o levantamento da Acirp peca por uma série de falhas. Ele desconsidera a complexidade do labor técnico-político-jurídico para estudo e avaliação final antes da decisão pelo tombamento. Desconsidera a omissão política de sucessivos gestores municipais que não compuseram a integralidade do corpo técnico do Conselho do Patrimônio Histórico. Por exemplo, a falta de historiador e arquiteto na “divisão de patrimônio” do Conselho.
Tribuna Ribeirão – Como novo presidente do Conppac, o que o senhor pretende fazer para resolver impasses como este?
Lucas Gabriel Pereira – O Conselho funciona como instrumento de avaliação, de decisão e de contenção, quando for preciso. Como compete ao presidente decidir o que entra ou não em pauta, a despeito das querelas que hoje que sobeja, irei abrir diálogo com a associação empresarial e com todos da sociedade civil organizada que queiram propor sugestões e ações ao Conselho. Portanto, como o Conselho ainda não foi informado do inteiro teor do material produzido pela Acirp, assim que tivermos acesso a ele, iremos nos manifestar.
Tribuna Ribeirão – O tombamento sozinho não parece resolver o problema de preservação do imóvel tombado. Um exemplo disso é o antigo Hotel Brasil, na avenida Jerônimo Gonçalves, tombado há muitos anos e que continua abandonado e se deteriorando. Como resolver isso?
Lucas Gabriel Pereira – Sobre o Hotel Brasil, convém lembrar que foi o ex-prefeito Welson Gasparini quem promulgou a lei simbólica municipal n. 6.067, de 28 de agosto de 1991, reconhecendo o valor histórico-arquitetônico do edifício, após aprovação do projeto pela Câmara de Vereadores. O tombamento propriamente dito ocorreu uma década depois.
A competência para tombamentos é do Executivo – registrar no livro de tombo – após decisão do órgão técnico competente, a saber, o Conppac. A constituição assegura o “direito de petição” a qualquer cidadão que tenha interesse pelo tombamento. O tombamento por si só não resolve. Porém, sem ele, é impossível criar uma prática perene voltada à zeladoria de monumentos históricos.
Agora, voltando à questão quanto a solução do problema, lembro-me de um velho adágio popular: “Já vi pessoas mudarem leis; só não vi leis mudarem pessoas”. O que é preciso fazer é a criação de uma política pública de educação patrimonial e cultural para conscientizar a população. A criação do Fundo Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural servirá de instrumento jurídico para os agentes públicos e para os conselheiros na missão de buscar fomento para eventos na área do patrimônio histórico-cultural.
Tribuna Ribeirão – O que é preciso fazer para que a lei de preservação histórica resulte em recuperação e restauração efetiva dos imóveis tombados?
Lucas Gabriel Pereira – É conhecendo nosso passado que traçamos uma linha-mestra de desenvolvimento sustentável e indelével para o futuro. Sabemos que é preciso pensar em formatos de parcerias privadas. Talvez, um ou outro imóvel possa ter a exploração da imagem cedida a terceiros interessados mediante obrigação de zeladoria por prazo pré-determinado. Isso será objeto de estudo e debates.
Tribuna Ribeirão – Em sua avaliação, as pessoas em Ribeirão Preto têm consciência da importância da preservação da história da cidade?
Lucas Gabriel Pereira – Foi o filósofo e psiquiatra alemão Karl Jaspers quem disse: “um povo é responsável por sua cidadania”. A cultura cidadã na qual teria como efeito produzir cidadania no Brasil é incipiente. A Constituição Federal de 1988, nominada de “constituição cidadã” por Ulysses Guimarães, enumerou uma série de garantias para o cidadão. A evolução da cidadania no Brasil fez-se lentamente e ainda não se consolidou.
Embora Ribeirão não tenha sido terra da nobreza com seus títulos nobiliárquicos, o espectro do coronelismo paira no ar. Vemos isso na forma como as forças de segurança tratam as populações de baixa renda; na forma como é conduzida a política municipal sempre voltada ao capital e a não abertura da cidade para participação ativa dos cidadãos. Outro exemplo do atraso é a forma como a prefeitura mantém inóspito o maior parque da cidade, o Parque Ecológico Dr. Rubem Cione, na Zona Oeste da cidade.
O espólio arquitetônico da “Fazenda Baixadão” localizado no parque está abandonado, enquanto o “Parque Olhos D’Água”, no distrito de Bonfim Paulista, que foi iniciado depois já foi inaugurado há pelo menos dois anos. Esses avanços lentos – e retrocessos constantes – acabam por prejudicar a formação de uma consciência crítica-cidadã, sem a qual, tornar-se-á terreno fértil para a classe política que privilegia as classes dominantes. À frente do Conselho vamos trabalhar pela segurança dos direitos do Patrimônio.
Tribuna Ribeirão – O que é preciso fazer para aproximar o Conppac do cotidiano das pessoas?
Lucas Gabriel Pereira – Com política. Não acredito em outra forma senão pela participação na polis – na cidade. Política na sua dimensão etimológica é o governo da casa; é a forma como organizamos a tomada de decisão. Todavia, no que se refere à pergunta suscitada, temos de convidar a sociedade civil organizada para conhecer e se envolver com as mais variadas instâncias de decisões políticas da cidade diretas e indiretas por meio dos conselhos municipais.
Tribuna Ribeirão – Quais serão as suas prioridades no Conppac?
Lucas Gabriel Pereira – Trabalhar por etapas. Primeiro vamos tratar das urgências e a seguir, das emergências. As urgências são criar o Regimento Interno do Conselho. A lei do Conppac é de dezembro de 2016 e até hoje não foi criado o regimento. A não criação do regimento impede a constituição do Fundo Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural.
Já as emergências incluem normatizar uma série de procedimentos para garantir segurança jurídica e eficiência administrativa para os trabalhos dos conselheiros e da presidência. Vamos criar comissões de estudos para analisar possibilidades de adequação dos imóveis tombados do munícipio.
Considerando que o Conselho tem poder deliberativo irei apresentar uma série de matérias, via resolução, para aprovação dos conselheiros, tendo como escopo a conversão em políticas públicas. O primeiro projeto será a abertura de um Chamado Público para compor uma Comissão de Estudos sobre a criação da “Semana Municipal de Educação do Patrimônio histórico-cultural de Ribeirão Preto”. Os trabalhos dessa comissão deverão dar ênfase na educação primária no intuito de forjar uma consciência crítica sobre a importância da preservação do patrimônio histórico.
Tribuna Ribeirão – Que avaliação o senhor faz das administrações municipais em relação a preservação histórica?
Lucas Gabriel Pereira – Um povo que não cuida de seu legado histórico é indigno de esperançar o futuro. Não é de hoje o descaso para com o patrimônio histórico no município. Entra gestor e sai gestor e o que se percebe é um respeito intransigente a uma pseudo cláusula pétrea de retrocesso social.
Vejamos um disparate: estamos no ano do bicentenário da Independência além do centenário da Semana de Arte Moderna (1922), liderada por Mário de Andrade na capital paulista. E não obstante, pergunto: quais eventos a prefeitura estaria organizando na cidade para comemoração dessas datas voltadas à história do município?
Acaso o Palacete Camilo de Matos e o Palacete Jorge Lobato, não foram construídos em 1922? Não foi a nossa cidade que deu ao país a primeira siderurgia “Sambra & Penha” de forno elétrico? Não foi de Ribeirão Preto que saiu o ferro fundido para a construção do edifício Martinelli em São Paulo? Por conta da imponência arquitetônica o prédio foi tombado, virou local público de visitação dos turistas, além de se tornar sede da prefeitura paulistana.
Tribuna Ribeirão – O que o levou a querer presidir o Conppac?
Lucas Gabriel Pereira – Essa é uma pergunta de foro íntimo. Portanto, para ser sucinto, importa dizer que a princípio não era um desejo meu, e sim, dos meus pares no Conselho. A indicação veio deles. Foi o autor do livro de Eclesiastes da Bíblia Sagrada quem nos disse: “há um tempo para todo propósito debaixo dos céus”.