Por Adalberto Luque
Em 2019, 48% dos estudantes e 54% dos professores sofreram algum tipo de violência nas escolas estaduais, segundo pesquisa realizada pela Apeoesp – Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo.
Entre os professores, os casos mais frequentes são de agressão verbal, assédio moral, bullying, discriminação, furto ou roubo e agressão física. Já entre os alunos, os casos de bullying lideram, seguidos de agressão verbal, física, discriminação e furto ou roubo. Seriam números assustadores, não fosse o fato de a pesquisa ter sido a última feita antes da pandemia.
“A violência cresceu ainda mais após a volta às aulas presenciais e a Apeoesp já trabalha em uma nova pesquisa. Os casos são mais numerosos e assustadores”, explica o diretor da entidade em Ribeirão Preto, Fábio Henrique Granado Sardinha.
Ele, que também leciona Sociologia, História e Projeto de Vida na Escola Estadual Domingos Spinelli, no bairro Quintino Facci II, sabe bem a realidade da violência que cresce de forma preocupante, sobretudo nas escolas estaduais. “Temos um número altíssimo de professores que sofrem as consequências dessa situação. Por mês, no estado de São Paulo, 100 professores de escolas estaduais entram com pedido de afastamento. Não suportam mais ameaças e violência”, revela Sardinha.
Audição afetada
No início do mês, de 4 a 8 de abril, pelo menos quatro episódios envolvendo o uso de artefatos explosivos foram registrados nas dependências da Escola Estadual Dr. João Palma Guião, no Dom Mielle, Zona Oeste de Ribeirão Preto. “Num dos casos a Apeoesp tomou conhecimento de que uma das alunas teve sangramento no ouvido e perfuração de tímpano com a explosão do morteiro”, revela Sardinha.
E no dia 7, uma mãe recebe a seguinte mensagem de áudio enviada por sua filha pelo celular, aos prantos: “Mãe, o barulho é muito alto. Dói muito o ouvido [choro]. Achei que eu ia morrer. Eu vi fumaça subindo, na hora que olhei ouvi um estrondo, não deu tempo de colocar a mão no ouvido”.
A mãe, Michelle Cristina Ferreira, que também é professora, ficou desesperada com o relato da filha e correu para a escola João Guião. “Até hoje minha filha tem dores. Tive que levá-la ao hospital e depois tivemos gastos com medicamentos. Ela ficou muito abalada e terá que fazer um teste de audiometria. Ainda não sabemos se terá danos permanentes em sua audição. Mas se tivessem tomado providências logo na primeira bomba, não teria a menina com sangramento no tímpano. Nem minha filha sofrendo porque soltaram no refeitório da escola uma bomba chamada ‘terremoto’”, lamenta Michelle.
A filha, bastante abalada, tem medo de voltar às aulas. Dois dos alunos envolvidos nas explosões estão na mesma sala da jovem. Ela começou a sofrer bullying e ameaças nas redes sociais, aplicativos de mensagens e até mesmo por telefonemas. “Ofenderam e ela não quer voltar. Se tivesse como, pagava uma escola particular. Vou tentar mudar de escola”, adianta.
Enquanto isso, a mãe demonstra desapontamento com a diretora, que nem mesmo cedeu as imagens que mostram os atos de vandalismo cometidos pelos alunos. “A diretora não havia sequer chamado a polícia. Só chamou quando disse que iria até lá. Soube que teve o caso de uma das alunas que teria tomado medicamentos tentando suicídio por não suportar a situação”. Os alunos foram suspensos preventivamente até o dia 28 de abril. “Mas não sei de medida socioeducativa que eles sejam submetidos. Só suspender não adianta”.
Michelle estuda o que pode ser feito em relação aos danos sofridos pela filha e aos gastos com hospital e medicação. Ela está em contato com a Apeoesp que deve oferecer orientação.
Tentativas de suicídios
Sardinha revela que, além da violência, casos de tentativa de suicídio são cada vez mais frequentes nas escolas estaduais. “Temos 80 escolas estaduais em Ribeirão Preto e todo dia tem novidade. Têm ocorrido muitos casos de alunos que tentam suicídio nas escolas, usando remédios. A Secretaria da Educação oferece apenas um projeto online e coletivo. Tem que haver um atendimento individualizado para combater essas tentativas. Os pais trabalham fora, em sua maioria e não têm noção do que ocorre com os filhos nas escolas. Precisa haver um atendimento direcionado. Dou aula em 16 salas. No ano passado, durante o ‘setembro amarelo’, mês dedicado à conscientização de prevenção ao suicídio, fiz palestras explicativas tentando alertar para a prevenção e, ao final, perguntava aos alunos quantos já tinham tentado suicídio. Em cada sala, entre dois e três levantaram o braço. Isso é preocupante”, afirma.
Escola já foi ótima
Fernanda Borges Pereira mora em Barrinha e trabalha diariamente em Ribeirão Preto, limpando residências. Mas ela não consegue se desligar, sobretudo em relação ao filho mais velho, de 15 anos, que estuda na Escola Estadual José Luiz de Siqueira, em Barrinha.
No dia 7 de abril, um vídeo postado em redes sociais mostra uma briga generalizada entre alunos da escola. “[a violência] É só um dos problemas. Teve três alunas que tentaram suicídio. Já apreenderam canivete, punho de ferro e estilete. Briga tem toda hora. Sempre peço para meu filho evitar, inclusive, namorar na escola. Tudo é motivo para briga. É lamentável a falta de respeito dos alunos com os professores. Não são todos, mas a maioria só falta bater nos professores. E eles [professores] não têm culpa, porque educação vem de casa, né?”.
Fernanda já estudou nessa escola, que era considerada um modelo de educação estadual em Barrinha, segundo ela. “Na minha época não se falava em namoro. Hoje vão pra isso. Eu fico com medo, a gente não sabe o que passa na cabeça da pessoa. Meu filho está lá, pode ser que alguém não vá com a cara dele e queira descontar. Passa mil coisas na minha cabeça. Falo para ele: saiba com quem se envolver. Não gosta da pessoa, fica longe. Minha cabeça fica a mil no trabalho”, desabafa.
Violência dentro e fora
Sardinha lembra um caso ocorrido há algumas semanas na Escola Julieta Fernandes Souza Taranto, no Jardim Marchesi. Houve uma briga dentro da escola, que acabou resolvida pela direção. “Na saída, o pai de um dos alunos veio tirar satisfação e começou uma discussão. Ele passou a ser agredido pelos alunos, pegou uma faca e voltou. Essa escola é um problema, o muro caiu e entra quem quer”, adverte.
Para o diretor da Apeoesp, o problema deve persistir, pois o governo não tem política pública de enfrentamento à violência. Ele revela que mais de 50% das escolas estaduais em Ribeirão Preto não têm mediador. Nem inspetor em número suficiente para manter a ordem. Não há psicólogos disponíveis para os alunos, educadores e funcionários. “E o Conselho Tutelar não dá conta dos casos. São apenas três para 50 mil alunos da rede estadual”, adianta.
Outro agravante: segundo Sardinha, o Estado está agrupando salas com poucos alunos e teria fechado mais de 30 salas. “Na [Escola Estadual] Otoniel Mota, por exemplo, fecharam quatro salas e agruparam os alunos em outras. Isso gerou conflitos, pois não há planejamento. Tenho salas com 46 alunos e um único ventilador. Prefiro dar aulas debaixo da árvore”. Para Sardinha, outro ponto é que a Polícia Militar não tem efetivo suficiente para atender as escolas estaduais e municipais. “Não há preparo para atender casos de violência. Falta estrutura pública e não há prevenção”, aponta.
Ronda Escolar
Em nota, a Polícia Militar não informou efetivo, mas adiantou que todas as escolas são atendidas através do programa Ronda Escolar, além da PM ser acionada em casos específicos de ocorrência. Na escola Julieta Taranto, a PM informa que foi relatado desentendimento entre alunas, estendendo para uma discussão envolvendo mais pessoas, mas não houve relatos de nenhum tipo de armamento. Já em relação à João Palma Guião, as medidas disciplinares foram aplicadas pela unidade escolar. A nota informa que foram registradas 12 ocorrências no Batalhão que cuida da área das escolas citadas.
A Secretaria de Educação, também em nota, informou que repudia qualquer ato de violência e vandalismo dentro ou fora das escolas, e lamenta o ocorrido. Informou que o muro da escola Julieta Taranto começou a ser reparado na semana passada. “Além disso, a unidade escolar conta também com o repasse do PDDE Paulista, em 2021 o valor repassado foi de 208 mil”, diz a nota. A Secretaria também informa que não procede a informação de fechamento de turmas e destacou que conta com o Programa de Melhoria da Convivência e Proteção Escolar (Conviva SP), onde casos que fogem à normalidade, como agressões e vandalismo, são registrados na Plataforma e seguem acompanhados.