O multilateralismo pode ser traduzido como a prática da cooperação, na qual se reconhece limites. Essa prática que é estonteantemente exibida no comércio, na verdade, envolve todos os aspectos da vida das nações, aspectos sociais, políticos, inclusive o da segurança nacional e a internacional. Porém, não se reduza a importância atual dos acordos internacionais sobre o clima, pois, a finalidade é para salvar a saúde do planeta, no qual estamos nós, seus habitantes, as plantas e as florestas, os rios e os mares, o ar e os ventos, cuja intoxicação ameaça a vida de todos e de tudo. E pandemia não é nome de refrigerante.
O multilateralismo é uma construção antiga, inaugurada em 1648, com a Paz de Vestefália ou Tratado de Vestefália, que encerrou a Guerra dos Trinta anos, com o “surgimento de um sistema internacional de Estados, cujo direito emergente dele é o da reciprocidade com pactos regulatórios”.
Um exemplo de rompimento do multilateralismo, inspirado pela fúria imperial decorrente da derrubada das torres gêmeas, antecedeu a guerra do Iraque, a primeira que o mundo soube, antes delas, das razões falsas que a promoveram.
A lembrança pode ser lida no editorial do jornal Valor econômico do dia 14 de abril de 2002, sob o título “Brasil, EUA, Bustani e as mais difíceis decisões” ou em artigo da Folha de São Paulo, “Os Estados Unidos versus Bustani”, do dia 18/4/2002.
O império queria invadir o Iraque, como realmente invadiu e o destruiu, ignorando limites e os países que foram contra. Mas era sempre necessária a adesão da opinião pública. E para ela, e mediante a irradiação do discurso guerreiro do general Colin Powell, ele foi ao Congresso norte-americano apresentar um Power-point das provas falsas sobre a fabricação e posse de armas bacteriológicas pelo regime de Saddam Hussein (1937/2006). Quando essa mentira foi desventrada o discurso substituiu a justificativa da guerra: era para levar a democracia para aquelas terras de cultura milenar.
Mas, esse convencimento mentiroso foi antecedido de providencias administrativas, em relação aos organismos da ONU, que o editorial comenta assim: “No âmbito de entidades ligadas à ONU a arrogância americana se manifestou recentemente em três episódios em que representantes dos EUA usaram o poder de seu país para inviabilizar a reeleição da ex-presidente da Irlanda, Mary Robinson, ao Alto Comissariado de Direitos Humanos, do cientista americano Robert Robinson no Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas, além de procurar destruir o diplomata brasileiro José Maurício Bustani da direção geral da Organização para Proscrição de Armas Químicas.
O diplomata brasileiro, respeitado, reconhecido no Itamarati e respeitado pela diplomacia internacional, ocupou o cargo para o qual foi votado inclusive pelos americanos, e reeleito, ato que atesta o valor de seu trabalho.
Ele estava ampliando o número de países que estavam aderindo ao pacto de não proliferação das armas bacteriológicas, ou como sendo possuidores ou ex-possuidores delas, como Irã, Sudão, Arábia Saudita.
O perigoso no trabalho limpo e consequente de Bustani era que o próprio Iraque estava em vias de aderir à Opaq (Organismo para a Proibição de Armas Químicas). Se isso acontecesse outra seria a mentira para a invasão acontecida.
Bustani decidiu enfrentar, resistir. O governo brasileiro devidamente informado por ele, manifestou seu “apoio exclamatório”, e só. Bustani, um denunciante da farsa. E de repente era acusado de incompetente pelos americanos, que votaram nele por duas vezes. Foi até ameaçado, por autoridade, que se referiu a sua família.
O Iraque foi destruído, o multilateralismo virou uma bandeira rasgada, e até hoje não se sabe se houve reparação de guerra pela hecatombe que recaiu sobre o país.
Nem por isso, a máquina de guerra do império ficou saciada. E as bombas inteligentes matam mais civis do que militares, nas guerras atuais de americanos e russos.