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Para quem é, bacalhau basta

Os portugueses descobriram o mundo para o mundo, revelando tratar­-se de um planeta redondo e não plano. A terra não cobria as fogueiras de satanás. Gil Eanes, em 1454, varou a neblina do cabo do Bojador, revelando que a água do mar não despencava para as profundas do inferno, converti­da sim em fumaça pura.

O poeta Fernando Pessoa transformou o fato no poema “Mar Portu­guês”. A água do mar foi salgada com as lágrimas portuguesas, dizem seus versos. Quantos navegantes não morreram! Quantas mães não perderam seus filhos! Quantas noivas não ficaram sem casamentos! “Quem quer passar além do Bojador, tem que passar além da dor” destacando que “tudo vale a pena, se a alma não é pequena”. Gil Eanes foi além do Bojador e trouxe para o seu rei a notícia segundo a qual a terra não terminava ali, mas continuava pelo sul afora.

As galeras portuguesas rasgaram também as águas geladas dos mares do norte europeu e americano. Foi Colombo quem descobriu a América? Como explicar que um território enorme ao leste do Canadá é conhecido por um vocábulo lusitano: “Labrador”. Quem batizou o território canaden­se com um vocábulo português? Foram os vikings que não conheciam a língua lusitana? Ou foram os pescadores de bacalhau que navegaram por aquelas bandas antes de Colombo chegar às ilhas antilhanas?

Os portugueses vazaram os mares do norte para pescar o bacalhau. Como então, naqueles primórdios não havia geladeira, os pescadores salgavam o peixe para trazê-lo a Portugal. Mesmo após o descobrimento dos frigoríficos, o bacalhau, até hoje, é salgado. Assim sendo, trata-se de um produto de reduzido preço, especialmente em Portugal.

Tendo o bacalhau um preço barato pelo menos em território português, foi criada uma sentença, probatória do seu pequeno valor em dinheiro. Para diminuir a grandeza de uma pessoa chata, até hoje é feita a comparação com o peixe: “para quem é, bacalhau basta”.

O viajante que se aproxima do porto de Nazaré toma conhecimento de dois acontecimentos que como sempre variam de conformidade com o sabor do intérprete.

No alto de uma pedreira ali existente, no passado um nobre cavalgava quando seu cavalo despencou daquela altura. O cavaleiro invocou seu santo protetor que, imediatamente, surgiu para tomar a rédeas e freiar o animal. Até hoje, quem chega ali percebe várias marcas na pedreira, supostamente, deixadas pelo animal. Qual delas é dele? O guia autoriza o visitante a esco­lher uma daquelas marcas porque todas elas são a comprovação do milagre.

Descendo do alto da pedreira, o visitante chega à cidade de Nazaré que, por ser porto, tem praias dotadas de pequenas lojas. As lojinhas oferecem as famosas bonecas das sete saias. Como o milagre da pedreira, as bonecas geram muitas versões.

Uma das histórias refere-se à pesca do bacalhau nos mares do norte europeu. Naqueles velhos tempos, dizem os lojistas, os navegantes demora­vam muito tempo para voltar das pescarias. Pudera! Percorrer os mares da Noruega pescando bacalhau para voltar depressa para Portugal?

As esposas, para controlar o tempo de ida e volta, segundo uma das versões, vestiam sete saias que eram retiradas uma por dia. Se o marido não voltasse no sétimo dia, no oitavo a esposa via-se obrigada a caminhar pela cidade despida de qualquer saia.

Para se referir ao pescador atrasado alguém dizia: “para quem é, bacalhau basta”. Tanto o bacalhau salgado como a expressão radicada nas sete saias das bonecas são mencionados até hoje na cultura dos nossos pais portugueses.

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