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CASO MARCELO CURY – Crime da Albano’s completa 25 anos

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O sábado, 5 de abril de 1997, tinha tudo para ser mais uma noite de animação na região da avenida Presidente Vargas, um dos locais mais movimentados à época, fre­quentado principalmente por pessoas das classes A e B de Ribeirão Preto e região.

Como de costume, o re­presentante comercial Marco Antônio de Paula, de 29 anos, chegou à Choperia Albano’s, local onde jovens empresá­rios se reuniam para tomar um chope e encontrar amigos. Um adendo. O dono da cho­peria, Albano’s, era uma figura emblemática. Durante muitos anos foi dono da choperia Pin­guim. Decidiu vender sua parte e montou a Albano’s, que logo se tornou um dos pontos mais frequentados à época.

“Infelizmente isso é uma vergonha para a Justiça brasileira”, disse o delegado do caso, Odacir Cesário da Silva

Marco Antônio estava con­tente, pois havia comprado um Chevrolet Vectra 97, que foi, inclusive, assunto na mesa com os amigos durante o tem­po em que permaneceu na choperia, das 17h40 até pouco mais de 18h30.

Despediu-se dos amigos e foi até o carro, estacionado em frente a uma agência bancária, ao lado do estabelecimento. Chegando ao carro, havia várias pessoas encostadas no seu veí­culo novo. Uma delas, inclusive, sentada sobre o capô.

Era o ex-modelo fotográ­fico e empresário Marcelo Za­charias Afif Cury, então com 23 anos, filho de um usineiro. Houve um princípio de desen­tendimento, ofensas de ambos os lados. Marco Antônio dei­xou o local inconformado.

Mais adiante, pela avenida Presidente Vargas, encontrou dois de seus amigos: o comer­ciante João Falco Neto, de 34 anos e o motorista Sérgio Alber­to Nadruz Coelho, de 35 anos.

Segundo apurado pela Po­lícia à época, os três voltaram ao Albano’s para tirar satisfa­ção com os rapazes. De acor­do com os amigos de Marcelo, os três chegaram desferindo socos e pontapés, principal­mente em Cury.

Para tentar se defender, o usineiro entrou em sua cami­nhonete e apanhou uma pistola semiautomática 380, arma de uso restrito ao Exército brasi­leiro, mas que Marcelo tinha registro e porte. Ele voltou e atirou cinco vezes contra Mar­co Antônio, que morreu ao dar entrada no Hospital das Clí­nicas Unidade de Emergência (HC-UE).

João Falco Neto recebeu dois tiros: um na cabeça e outro no tórax. Morreu dois dias de­pois, no mesmo HC-UE. Sér­gio Coelho também levou três tiros, mas sobreviveu a duas in­fecções hospitalares. Também perdeu o baço e se tornaria tes­temunha chave no processo.

Durante julgamento em 2016, Sérgio Coelho, principal testemunha, mostrou as sequelas que herdou
com o que afirmou ser tentativa de execução

Depois de atirar nos três, Cury iniciou sua fuga e con­tou com a ajuda de Archime­des Ramos Neto, funcionário de uma das usinas da famí­lia do fugitivo. No km 78 da Rodovia Antônio Machado Sant’Anna, próximo a Arara­quara, o Audi em que os dois estavam capotou. Archimedes foi deixado no local e Cury, novamente, fugiu.

O gerente administrativo Archimedes, da Usina Marin­gá – de propriedade da família Cury à época – morreu três dias depois. Na ocasião, o ortopedista Agenor Mauro Zorzi disse que atendeu Marcelo na Santa Casa de Santa Rita do Passa Quatro.

Ele estava com hematomas no rosto e uma escoriação na clavícula direita, alegando ser vítima de acidente de trânsito. Ele chegou ao hospital em uma ambulância de uma das usinas da família.

Durante julgamento do usineiro, familiares das vítimas exibiram cartazes e pediram Justiça, mas o condenado seguiu livre

Batalha jurídica
A partir de então, iniciou-se uma batalha jurídica com al­guns dos mais respeitados ad­vogados do Brasil. Inicialmente a defesa ficou a cargo de Said Hallah, que teria prometido vá­rias vezes apresentar seu cliente ao delegado que apurava o caso.

A investigação ficou a cargo da Delegacia de Investigações Gerais (DIG) de Ribeirão Preto, que tinha como titular o delega­do Odacir Cesário da Silva. Os policiais civis da especializada ouviram mais de 20 testemu­nhas para relatar o inquérito. Inicialmente foi pedida a pri­são administrativa. Ainda no decorrer do inquérito, como o advogado não trouxe a vítima para depor, Cesário da Silva pe­diu a prisão preventiva.

A esta altura, cogitava-se que Marcelo Cury sequer esta­va no País. Pouco tempo depois do crime, quem assumiu a de­fesa foi o criminalista Márcio Thomaz Bastos, que anos de­pois seria Ministro da Justiça durante o governo de Luiz Iná­cio Lula da Silva.

A defesa sustentava a tese de que Cury teria atirado para se defender. Contudo, de acordo com relatório da Perí­cia, essa tese, embora susten­tada por Bastos, não seria su­ficiente para livrar seu cliente da condenação. De acordo com o documento dos peri­tos, de cinco tiros que atingi­ram Marco Antônio, quatro foram disparados pelas costas. Falco Neto também levou um tiro nas mesmas condições.

O caso se estendeu por vários anos, com diversos re­cursos impetrados pela defesa. Cury até chegou a ser conde­nado a dois anos e três meses de prisão albergue em 1999, pela morte de Archimedes. Pela condenação, à época, ele teria que dormir na prisão, mas poderia sair durante o dia para trabalhar. Ele havia sido absol­vido em primeira instância e acabou condenado por homi­cídio culposo, quando não há intenção de matar.

Matéria estampada nas páginas do Tribuna

Nunca entrou em uma cela
Durante duas décadas, graças ao trabalho da defesa, entre idas e vindas aos tribu­nais, aguardou o julgamento em liberdade. Foram muitos os recursos impetrados por sua defesa, composta por cri­minalistas renomados em todo o Brasil.

Em 26 de agosto de 2016, a juíza Marta Rodrigues Maffeis Moreira, da Vara do Júri e das Execuções Criminais, deta­lhou a sentença, considerando três crimes no bojo das acusa­ções pela morte de João Falco Neto. Cury foi condenado por homicídio doloso (com penas entre 12 e 30 anos). Porém, por ter o júri reconhecido que agiu por violenta emoção, acrescida de pequena margem no total pela qualificadora im­possibilitando a defesa da víti­ma, a pena estabelecida foi de nove anos e quatro meses.

Os crimes contra Marco Antônio, julgado por homicí­dio culposo – com pena de um ano e dois meses – e a tentativa de homicídio contra Sérgio Na­druz Coelho – onde Cury foi condenado a 14 anos de prisão e, considerando a qualificadora e outra redução, ficou em seis anos e dois meses – não tive­ram as penas cumpridas. Em ambos os casos, acabaram prescrevendo, por serem pe­nas inferiores a oito anos.

Ainda em 2016, a defesa de Cury recorreu. Já havia afirma­do previamente que recorreria da decisão por considerar a pena imposta desproporcional, em virtude do reconhecimento do júri popular sobre a redução prevista pelas atenuantes, como violenta emoção. O advogado foi procurado pela reportagem, mas preferiu não se manifestar.

Em 2018 o Tribunal de Jus­tiça de São Paulo (TJSP) man­teve a condenação de nove anos e quatro meses de prisão. Novo recurso, desta feita ao Su­premo Tribunal Federal (STF), em Brasília. Ainda em 2018, o ministro Marco Aurélio, do STF, concedeu salvo-conduto para que Cury seguisse em li­berdade até a preclusão maior da pena, isto é, até que se esgo­tassem todo e qualquer recurso.

Final melancólico
No dia 9 de dezembro de 2020 a juíza Marta Rodrigues Maffeis determinou o arqui­vamento do processo, ten­do em vista a declaração da extinção da punibilidade do acusado pelo STF. Assim, sem passar um dia sequer atrás das grades, Marcelo Cury viu extintas as chances de pisar numa prisão como senten­ciado. Foram 25 anos de uma exaustiva batalha judicial.

A Albano’s encerrou suas atividades poucos anos depois e o local perdeu as características da época do crime que marcou época em Ribeirão Preto. Hoje uma loja de colchões funciona no lugar

Hoje aposentado, o dele­gado que coordenou a inves­tigação e presidiu o inquérito lamenta como tudo terminou. “Começou com uma pequena discussão que gerou tudo isso. Ainda teve a morte do funcio­nário da empresa da família. Na época, pedi prisão tem­porária, mas o advogado não apresentou o investigado. En­tão pedi a preventiva. O caso foi para o Fórum. A Polícia Civil fez um grande trabalho e bem rápido. Na época até che­gamos a ser assediados para não ter pressa, mas fizemos tudo com rapidez e encami­nhamos o caso à promotoria. Infelizmente isso é uma ver­gonha para a Justiça brasilei­ra”, lamentou Cesário da Silva.

Marco Antônio teria hoje 54 anos. Falco Neto, que ti­nha dois filhos, estaria com 59 anos. A principal testemunha do caso, Sérgio Coelho, decla­rou em 2016 que foi vítima de uma execução e temia por sua vida, pois acreditava que pudes­sem matá-lo como “queima de arquivo”. Ele tem hoje 60 anos e não foi encontrado para fa­lar a respeito do caso. Em en­trevista, há cerca de oito anos, Sérgio se mostrou indignado e clamava por justiça.

E Marcelo Zacharias Afif Cury está atualmente com 48 anos. Depois de 25 anos, uma certeza: uma boa defe­sa garante a liberdade. Mas, certamente, não é sinônimo de paz. Foram duas décadas de uma das maiores batalhas jurídicas da história de Ri­beirão Preto.

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