Adriana Dorazi – Especial para o Tribuna
Essa é daquelas histórias da vida real que não tem graça alguma. Isso porque tem como cenário um grave acidente de trânsito após suposto consumo de bebida alcoólica e abandono do local, sem socorro à vítima.
Quem conta o caso é a ajudante de serviços gerais do Rio de Janeiro, Valdineia Monteiro Gascao. Segundo ela – e os fatos estão registrados em Boletim de Ocorrência – sua trajetória cruzou com a do humorista e ator Filipe Pontes, literalmente, no Km 411 da BR 101 em Itaguaí (RJ), no dia 6 de agosto de 2021.
Segundo registro da Polícia Rodoviária Federal (PRF) o acidente ocorreu por volta das 05h40, quando o Celta dirigido por Valdineia tentou desviar do Prisma de Filipe que vinha na contramão. O carro de Valdineia capotou cinco vezes. Segundo ela, mesmo o ator tendo provocado o acidente (ela afirma que evitou a colisão frontal entre eles), Filipe teria fugido do local sem prestar socorro.
Quando a PRF chegou, Valdineia já havia sido socorrida pelo Corpo de Bombeiros do RJ para o Hospital São Francisco Xavier, com várias escoriações pelo corpo. Não foi possível, no entanto, a realização do teste do bafômetro para constatar a embriaguez do condutor do Prisma, já que o motorista abandonou o local.
Uma testemunha identificada como Marlon Ferreira de Lima, declarou no BO que, ao chegar para trabalhar no posto de gasolina próximo ao local do acidente, viu um veículo com as mesmas características (sedan de cor vermelha) transitando na contramão e pela faixa junto à mureta de concreto que divide as pistas, momentos antes dos fatos.
Outro homem que estava no mesmo posto (identificado apenas como Welison) disse ter visto o humorista consumir bebidas alcoólicas. Afirmou, inclusive, que reconheceu o ator de acordo com o BO. O veículo de Valdineia precisou ser guinchado, uma vez que ficou totalmente destruído. A ocorrência também foi registrada na 50ª Delegacia de Polícia Civil do RJ.
Andamento processual
Nos últimos dias o caso teve desfecho na investigação. Na 50ª Delegacia da Polícia Civil de Itaguaí, no Rio de Janeiro, o caso foi registrado como Lesão Corporal Culposa com motivo presumido de alcoolismo. O delegado responsável pela investigação é Marco Aurélio de Castro.
Filipe Pontes foi indiciado depois de sete meses de investigação. Há imagens de câmera de segurança que registraram o acidente e registros do posto de gasolina que comprovam os testemunhos. Intimado para depor, o humorista compareceu mas exerceu o direito de permanecer calado.
Na conclusão do inquérito, a polícia destaca que “em face da prova carreada aos autos indicio Filipe Fernandes Pontes por lesão corporal culposa no trânsito com as agravantes de conduzir o veículo com a capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool e não prestar socorro à vítima (artigo 303, § 1.º e 2.º c/c 302, § 1.º, Inc. III, todos do CTB). Agora o inquérito policial segue relatado para o Ministério Público para análise pugnado pela promoção da ação penal em face do autor.
Falta de amparo pós-acidente
Após alta hospitalar, Valdineia afirma que sua família procurou a assessoria de Filipe Pontes, requerendo ajuda, já que ela é ajudante de serviços gerais, tem filhos menores de idade e estaria sem poder trabalhar, em razão do acidente. A sequela mais grave do capotamento, segundo a vítima, foi o “comprometimento da mão direita, incluindo dedos que perderam os movimentos”.
Ela afirma também que já passou por cirurgia, mas o quadro ainda não melhorou. As idas e voltas de perícias negadas, assim como a necessidade de muitas sessões de fisioterapia, segundo ela, agravam a situação financeira da família. Valdineia afirma que um advogado, de nome Johan – representando o humorista – teria conversado com a advogada que a representa. O advogado afirma – em trechos de conversa por WhatsApp que Valdineia arquivou -, que Filipe “reconhecia a necessidade de colaborar com a vítima”. Essa ajuda, porém, nunca teria chegado de fato nesses meses.
Valdineia enviou ao Tribuna Ribeirão, prints de mensagens que teriam sido trocadas pelo aplicativo WhatsApp com o advogado Johan. Nas mensagens, ele descreveu a situação de Filipe como muito “delicada”. “A condição financeira dele também é deplorável, entretanto há muita preocupação da parte dele em reparar os danos que eventualmente possa ter causado”, ressaltou. Apesar da declaração, em postagens nas redes sociais, a agenda de shows do ator seguiu cheia.
Defesa e consequências
A reportagem do Tribuna Ribeirão tentou contato via telefone, aplicativos de mensagens e e-mail com o humorista Filipe. Antes da conclusão do inquérito, por e-mail ele havia respondido “ainda não me manifestei porque ainda não fui intimado formalmente. Meus advogados estão cuidando disso”.
Também procurado pela reportagem, o advogado Johan, disse que não conseguia nenhum retorno de Filipe “há algumas semanas”. Ele não soube informar se outros profissionais passaram a cuidar do caso.
Nesta semana a reportagem tentou novamente contato com Filipe, para saber a versão dele dos fatos ou se há outro advogado nomeado, mas sem retorno. Segundo a família, Johan não representa mais o humorista, mas a reportagem não conseguiu confirmar quem segue à frente do caso.
Valdineia está fazendo tratamento no SUS, mas diz sentir-se indignada com a situação. Ela afirma que não tinha seguro do carro que usava para trabalhar. Diz ter medo da mão atrofiar sem todo suporte adequado, mas ainda tem esperança de ver a justiça ser feita. “Além do problema na mão, sinto muitas dores na coluna, problemas emocionais com tudo isso. Não tenho previsão de voltar a trabalhar e não recebo pelo INSS. Minha vida complicou muito, mas graças a Deus estou viva”, desabafa.