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O campo aberto da adolescência hoje

O mundo contemporâneo segue uma nova lógica na experiência dos laços com o outro. Trata-se de uma outra forma de relação com a lin­guagem, que inclui modificações na relação com o corpo e o tempo. Esse novo modo de viver afeta também os jovens e é por eles atualizado: a ado­lescência que se verifica hoje possui contornos diferentes dos observados em gerações anteriores. A dificuldade em manter uma rotina de trabalho, as relações fluidas e inconstantes, a resistência às figuras de autoridade e a relutância em conceber planos a longo prazo demonstram um novo dese­nho do que chamamos de adolescência. Alguns pesquisadores defendem a duração dessa fase até os 24 anos, o que de certa forma sublinha essa di­ferença. Embora tais mudanças da contemporaneidade afetem os sujeitos em diversas etapas, é na adolescência que estes efeitos se dão de maneira intensa, especialmente por se tratar de uma fase sensível de mudanças no corpo, na forma de construção dos pensamentos e da identidade.

Jacques Lacan, psicanalista francês, trabalha em seu ensino a queda do falocentrismo, que podemos pensar aqui como a queda dos ideais. Este ponto é estudado também por psicanalistas da atualidade, como Jacques Alain-Miller, Éric Laurent e outros. Frente à queda desses ideais, que fun­cionavam para os sujeitos como uma espécie de lei simbólica, há um efeito de desorientação. Trata-se de uma outra forma de experiência do mundo que modifica a crença na autoridade ou um ideal absoluto que oriente a vida em sociedade. O sujeito da atualidade se vê às voltas com uma queda dos ideais que traz também um efeito de desorientação e desbussolamen­to, aliados a uma lógica em que impera a urgência, o excesso, a fluidez nas escolhas, e para além dessas apresentações sintomáticas, o vazio.

Essa nova formatação do mundo atinge de maneira singular cada su­jeito, mas os jovens são tocados de maneira particular. A adolescência, em relação com a puberdade, diz de um momento muito íntimo na relação com o corpo. Nessa fase, os jovens estão às voltas com as modificações corporais, a descoberta de formas novas de satisfação, o vivo da sexua­lidade e a maior presença do corpo do outro. É o momento da indigna­ção sobre as regras do mundo e da sociedade e do protesto às gerações anteriores. O que muda hoje é que para além desse processo natural, há um campo aberto em que não há suposição de saber ou lei simbólica, mas uma desorientação, já que algo não mais se fixa enquanto o caminho ideal a ser seguido pela vida. A suposta liberdade maior nas escolhas carrega também miragens. A outra face da liberdade é o risco de um excesso e ilimitado: poder tudo e desejar nada.

O empuxo à satisfação se encontra no centro das escolhas adolescentes hoje, que já nasceram em uma era de crescente digitalização do mundo. A constante busca por satisfação nem sempre se relaciona ao prazer, mas tam­bém ao desprazer. Freud aponta este além do prazer, e Lacan se dedica a este ponto em seu ensino: a satisfação pode se relacionar justamente ao desprazer, por paradoxal que pareça. É justamente neste campo em que os jovens por vezes se enveredam: o uso excessivo de álcool e drogas como um tampona­mento à realidade, a hiperssexualização, as compulsões por jogos e outras, os transtornos alimentares, e outros sintomas que guardam uma relação com a urgência, excesso e vazio. A angústia não demora a surgir na cena.

A psicanálise ensina que a satisfação humana é sempre parcial. Assim, a busca incessante pelo mais, que compõe grande parte das escolhas dos jovens nessa época, carrega uma espécie de miragem. Assim, busca-se logo um novo objeto para satisfazer-se, visto que o anterior falhou. Na or­ganização do mundo hoje, o intervalo para a busca do próximo objeto se torna cada vez menor; ou seja, é mais rápida. Por outro lado, a resistência em suportar frustrações e adversidades é cada vez menor. E no instantâ­neo da internet, há ainda todo o problema da relação com a imagem, na era dos filtros e corpos perfeitos: os imperativos surgem sem mediações.

É o contemporâneo também que trouxe a pluralidade das escolhas, o acolhimento à diferença, as formas múltiplas de expressões da sexu­alidade que ampliaram vozes, interesses e discursos. Estes são pontos fundamentais para que se construa uma nova experiência no mundo. Entretanto, persiste uma dificuldade em se nortear a partir de uma bússola que guie minimamente a experiência de cada jovem. Não se trata, então, de retomar um modelo anterior, ou seja, voltar à autoridade maciça e crença no ideal único como modo de viver; mas recolher a novidade e fazer dela outra coisa.

Se o fio condutor do desejo não tem mais uma formatação só, a cada jovem caberá sustentar uma direção mínima a partir do próprio desejo. Trata-se mesmo de uma solução singular, de construir uma avenida para que se possa caminhar nesse campo tão aberto do contemporâneo. Algo que cada jovem em sua singularidade poderá fazer a partir de uma invenção própria.

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