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O Peru e sua Literatura (12): A ironia como estratégia em Julio Ramón Ribeyro

É a ironia a característica mais recorrente e estruturante nos contos de Julio Ramón Ribeyro. Em contos de diferentes períodos da produção do autor, como, por exemplo, em “El profesor suplente” (1957), “Espumante en el sótano” (1967), “El polvo del saber”(1974), “Silvio en El Rosedal” (1976) e “Solo para fumadores” (1987), a ironia é uma ferramenta que emerge de modo relevante em diferentes aspectos narrativos, revelando-se característica essencial na escrita e reescrita do autor e não somente uma estratégia figurante ou decorativa.

“El profesor suplente” narra a história do cobrador Matías Palomino que vê sua rotina medíocre de classe média interrom­pida por uma oportunidade de trabalho: ser professor substituto de História. Acompanhamos sua jornada desde o instante em que, não entendendo bem a proposta de trabalho, sente-se enva­idecido, mas amedrontado. Vaidade e inseguranças, entretanto, o levam à total paralização e incapacidade de agir, resultando no fracasso final antes mesmo de ter posto os pés na escola. “Espumante en el sótano”, narra a manhã de um dia 1º de abril na vida do exemplar e dedicado funcionário público Aníbal Hernández, quando este completa 25 anos de trabalho no Ministério da Educação. Cheio de entusiasmo, ele quer celebrar o momento com seus companheiros de trabalho, mas eles o ignoram e ridicularizam. Há uma dualidade que permeia todo o conto: a insistência do protagonista em imaginar que o mundo ao seu redor é redimível, diante do constante embate da realidade cruel e impiedosa. Segundo a crítica, comparando as duas narrativas, enquanto Matías Palomino passa por uma experiência específica em seu mundo ilusório, a vida de Aníbal parece ter sido construída a partir de um olhar desajustado. Como funcionário público, sua vida se estrutura a partir do sonho de um sucesso que, além de nunca ser alcançado, com o passar dos anos vai se tornando cada vez mais inacessível. Se anos antes chegou a ser chefe do Serviço de Armazenamento, termina por completar 25 anos de trabalho em cargo rebaixado, situado no subsolo do imponente prédio, sem o respeito nem mesmo de seus colegas de repartição. Ele toma consciência de sua condição fracassada somente ao se ver agachado no chão de sua sala, recolhendo o lixo dos colegas, após a festa vergonhosa.

“El polvo del saber”, por sua vez, narra o destino decadente de uma biblioteca com cerca de 10 mil volumes que literalmente viram pó devido ao descuido de anos e desinteresse dos que a herdaram acidentalmente. O narrador protagonista, desiludido diante da perda definitiva da preciosa herança, esboça um último gesto de refúgio imaginário ao guardar o único livro de toda a coleção que ainda não se decompôs. Fuga da realidade frustrante, seu gesto ironiza aquele guardar como uma maneira de não ter perdido completamente a biblioteca que sempre almejou ter. Já “Silvio en El Rosedal” narra os anos de Silvio Lombardi, homem sem iniciativa ou paixões, a partir do momento em que herda do pai El Ro­sedal, uma fazenda charmosa e cobiçada. Diante da oportunidade de se libertar e realizar seus desejos, se envolve em diversas empreitadas para logo se desinteressar por cada uma delas. Isso muda quando Silvio descobre que as rosas do jardim no centro do casarão da fazenda formam um desenho enigmático, RES, cujo significado ele se empenha por descobrir. Descartados o código Morse e a tradução SER, torna-se vítima de um comportamento obsessivo. Eis que recebe a carta de uma prima da Itália, Rosa Eleonora Settembrini, pedindo que a hospede junto com a filha, Roxana Elena. Silvio logo vê que as iniciais de ambas são compostas exatamente pelas três letras que ele havia decifrado no roseiral e, emocionado, custeia a vinda de ambas. Encantando-se com a beleza da sobrinha Roxana, busca, em vão, sua atenção e amor. Então, ao organizar uma festa em comemoração aos 16 anos da moça, um pretexto para apresentá-la às famílias vizinhas, Silvio abandona tudo e se recolhe na torre que dá visão privilegiada ao rosei­ral, onde toca seu violino para ninguém. “E ele estava certo de que ele nunca tinha feito melhor”. Em outras palavras, descobrira, finalmente, que o desenho SER não significava nada, e que a existência não é composta de caminhos que conduzem a um sentido geral.

Por fim, “Solo para fumadores” trata de um escritor sem sucesso e viciado em tabaco, que consome a própria vida em função desta paixão. Entretanto, sobrevivendo a todos os percalços que o fumo lhe causou, segue vivo e fumando, para sua satisfação. Contrapondo opções oferecidas e optadas, a ironia é trágica e aparentemente sem saída ao mostrar a relação do protagonista a consumir a própria vida por meio do cigarro, caminhando veloz e doente para seu fim. Logo, em “Silvio en El Rosedal” e “Solo para fumadores” o tempo irônico é trabalhado como um labirinto sem saída, que se arrasta e se prolonga, aumentando a angústia dos personagens. Através da ironia, portanto, Ribeyro articula incongruências e paradoxos, alcança um significado para a vida e o viver para além dos alcances comuns das palavras, dialogando com o leitor algumas possibilidades de assimilação e representação do mundo moderno e fragmentado.

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