A luta pela equidade de gênero no mercado de trabalho global encontrou na pandemia um entrave. De acordo com o documento Women In Work Index, a covid-19 atrasou em, pelo menos, dois anos os avanços desta agenda. O estudo ainda aponta que serão necessários 33 anos para que a taxa de mulheres empregadas, hoje 69%, seja equivalente ao índice atual de homens, 80%, nas economias da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE – organização econômica intergovernamental com 38 países membros, fundada em 1961 para estimular o progresso econômico e o comércio mundial).
Levantamento feito pela consultoria PwC, com grandes empresas brasileiras que representam 1/3 do PIB brasileiro, indica uma tendência similar: até 2019 houve um crescimento médio de representatividade feminina de 14% ao ano. A partir de 2020 e com um cenário de pandemia, a representatividade passou a retroceder na ordem de 12% ao ano – com uma maior queda no percentual de mulheres na liderança: -14%. Os indicadores de desligamentos demonstram o motivo: no período da covid-19 as mulheres tinham 7% mais chance de pedirem demissão e 28% mais chance de serem dispensadas pelas empresas.
Quanto às projeções para equidade salarial, as perspectivas são ainda piores. O Women In Work Index indica que serão necessárias mais de seis décadas – 63 anos – para que a remuneração delas seja igual à deles. O intervalo para que a taxa de desemprego feminino caia para o patamar atual dos homens também não é animador: são estimados nove anos.
Ao comparar o desemprego com o crescimento das ocupações previstas antes da pandemia, descobriu-se que havia 5,1 milhões a mais de mulheres desempregadas e 5,2 milhões a menos de mulheres participando do mercado de trabalho do que seria a realidade, caso a pandemia não existisse.
A discrepância de realidades se acentua de maneira mais intensa quando colocamos sob perspectiva grupos étnicos minoritários. O mesmo estudo mostra que no Reino Unido, por exemplo, no terceiro trimestre de 2021 mulheres desses grupos estão, em média, mais de uma década atrás das mulheres brancas em termos de desemprego e estão proporcionalmente piores do que estavam em 2011.
“Após uma década de ganhos lentos, mas consistentes, para as mulheres no mercado de trabalho em toda OCDE, vimos queda pela primeira vez. Essa realidade constatada pelo estudo se reflete também no cenário brasileiro. Por aqui, nossas mulheres foram mais atingidas pelos cortes e pela necessidade de deixar o mercado de trabalho afetando objetivamente a representatividade de gênero nas empresas. Há perspectivas de uma recuperação mais acelerada nos próximos anos do que vimos na última década, dado que nosso estudo de capital humano indica que as mulheres têm melhor formação – endereçando desafios como lacuna de competências – e maior engajamento. Ainda assim, serão necessárias políticas públicas e privadas para voltarmos a patamares pregressos de inclusão”, afirma Luciana Medeiros, sócia da PwC Brasil.
Rotina doméstica e desemprego na pandemia
Cuidar dos filhos e da casa contribuiu de forma significativa para que mulheres deixassem o mercado de trabalho. Um relatório da OCDE mostra que as mulheres assumiram mais responsabilidades não remuneradas durante a pandemia, o que as levou a deixar o trabalho mais que os homens.
De acordo com o estudo, as mães eram três vezes mais propensas do que os pais a assumir a maioria ou a totalidade do trabalho doméstico por conta do fechamento de escolas e creches.
Mulheres comandam apenas 29% dos escritórios de advocacia
No início do século XX, Myrthes Gomes de Campos se tornou a primeira mulher a exercer a advocacia no Brasil. Apesar de ser considerada, oficialmente, a primeira advogada brasileira, dois séculos antes, Esperança Garcia, mulher negra que foi submetida à condição de escravidão, já havia desafiado a ordem posta e enviado uma carta ao governador do estado do Piauí relatando os maus tratos sofridos por ela e por outras mulheres e homens na região.
Esta carta é considerada, por historiadores, uma verdadeira petição, tanto que, em 2017, a Ordem dos Advogados do Brasil do Piauí a reconheceu como a primeira mulher advogada do Estado, o que a alçou à condição, ainda que não oficial, de primeira advogada brasileira.
Entretanto, apesar de, no Brasil, o ingresso das mulheres na advocacia ter acontecido há, no mínimo, dois séculos, foi somente em 2021, mais especificamente em abril daquele ano, que os dados do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil evidenciaram que, pela primeira vez na história, o número de mulheres brasileiras exercendo a profissão superou o número de homens. “Marco, claro, que deve ser celebrado, afinal foi fruto das lutas femininas por direitos, mas que também deve ser encarado como reflexo das dificuldades enfrentadas ao longo dos anos pelas mulheres para ocuparem postos tradicionalmente tidos como masculinos na sociedade e no mercado de trabalho”, avalia Carolina Sabbag Salotti, vice-presidente da Comissão da Mulher Advogada da 12ª Subseção da OAB/SP, em Ribeirão Preto.
A advogada salienta que estas dificuldades estão longe de acabar. “Há que se considerar, por exemplo, que, segundo dados de levantamento realizado pelo Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (CESA), também em 2021, apenas 29% dos postos de comando nos escritórios de advocacia do Brasil eram ocupados por mulheres. Esta mesma disparidade pode ser observada, inclusive, dentro dos próprios quadros da Ordem dos Advogados do Brasil: com quase 90 anos de história, foi somente no final do ano passado que a OAB/SP elegeu sua primeira presidenta, a Dra. Patrícia Vanzolini”, acrescenta.
Carolina lembra que apesar de as advogadas serem hoje maioria no Brasil, nem todas as mulheres conseguiram acesso à carreira da mesma maneira. Basta mencionar que a primeira travesti a se inscrever na OAB, Janaína Dutra, concluiu sua graduação em Direito apenas em 1986 e a primeira indígena advogada brasileira, Joênia Batista de Carvalho – Joênia Wapichana, formou-se somente em 1997.
“E faço estas reflexões não para que tenhamos um olhar pessimista e desanimador sobre a realidade da advocacia feminina brasileira, mas para que, reconhecendo os avanços e percebendo as dificuldades, possamos, cada vez mais, enquanto advogadas (e advogados), nos unir e construir, dia após dia, uma advocacia mais respeitosa e equânime para as mulheres. E isso envolve, sem sombra de dúvidas e de maneira urgente, a construção de soluções efetivas para que as barreiras enfrentadas por algumas de nós (em razão das interseccionalidades entre gênero e raça, identidade de gênero, orientação sexual, entre outras) sejam superadas, o que inclui, por exemplo, a luta por maior paridade – para TODAS – nos postos de comando e nas posições de liderança, dentro e fora da OAB”, finaliza.
Mulheres ocupam 57% dos cargos de liderança em rede de Ribeirão
Em um departamento da Rede Tonin, que por muito tempo foi ocupado em sua maioria por homens, o administrativo-financeiro, 57% dos cargos de liderança são de mulheres.
Um deles é de Cleide Prates. Ela entrou na empresa como estagiária do Departamento de Vendas e Marketing, em um programa que deveria ter a duração de dois anos. Mas devido à sua performance no trabalho, em seis meses foi efetivada.
Natural de Jacuí, uma pequena cidade do interior de Minas Gerais, formou-se em Contabilidade, mas a oportunidade que teve na Rede a levou a continuar os estudos em outras áreas. “Fui uma das responsáveis pela criação e estruturação do Departamento de Marketing dentro da empresa, participei de todos os processos de evolução, inclusive da grande reviravolta da transformação digital”, explica.
Dos 60 anos de existência da Rede, um terço foi com a colaboração de Cleide. Atualmente, ela é gestora da Comunicação Estratégica da empresa, setor que engloba várias áreas como SAC, Marketing, E-commerce/Aplicativos, Trade, CRM, Endomarketing. Além de oito colaboradores internos sob sua coordenação, ela é a interface com os prestadores de serviços: assessoria de imprensa e agência de publicidade.
Mãe, esposa e apaixonada pelo que faz, Cleide não para de estudar. Já concluiu o curso de Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), fez vários outros cursos ao longo da carreira e agora vai iniciar a formação em Experiência do Cliente, também pela FGV. Em poucas palavras, Cleide resume a sua trajetória profissional com muito orgulho e incentiva outras mulheres a lutarem pelo que acreditam.
“Tudo começou quando passei a ocupar uma vaga de estágio no Departamento de Vendas e Marketing e em 2022 completo 20 anos de trabalho. Gosto de desafios. Foco, dedicação, determinação, gratidão, propósito são palavras que me definem. Muitos foram os momentos de aprendizado, superação e inúmeras conquistas. Me considero estar em constante processo de aprendizado. O que tem por trás de um profissional? A família, minha base, meu alicerce e de onde vêm os meus valores. Onde aprendi que é preciso correr atrás porque nada vem de graça. Trabalhe em empresas que tenham os mesmos valores que os seus”, conclui.
Diretoria feminina
Outro exemplo de liderança feminina é Elisa Tonin, vice-presidente do Grupo Tonin, que está prestes a ocupar o cargo maior na empresa. Quando tinha 12 anos e sua irmã mais velha 14, o pai, Luiz Antonio Tonin, atual presidente do Grupo Tonin, fez o primeiro plano de estágio para as filhas.
“Colocamos a mão na massa, passamos por todos os setores da empresa, fazendo de tudo. Todas as minhas férias escolares, até os 17 anos, foram dentro dos supermercados. Com 14 anos fiz intercâmbio para o Canadá, depois fiz High School nos Estados Unidos e voltei para o Brasil para fazer faculdade de Administração de Empresas na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM)”, conta.
Nos dois últimos anos de faculdade, Elisa trabalhou na Aliança de Varejo Independente, em São Paulo, que tinha vários sócios supermercadistas. Depois ainda trabalhou três meses fazendo estágio na Disney, vendendo sorvete. “Apesar de pouco tempo, a experiência na Disney foi uma lição de vida e também de administração. Tive oportunidade de conhecer de perto a logística de uma empresa daquele porte e muitas coisas que aprendi lá levo até hoje comigo e implementei na empresa”.
Formada, Elisa tinha opção de ir trabalhar no exterior ou então voltar para São Sebastião do Paraíso para trabalhar na empresa familiar. Já namorando firme e pensando em conciliar carreira e vida pessoal, escolheu a segunda opção. Em 2007, começou a trabalhar no Tonin. “Meu pai sempre deixou claro que a empresa não era cabide de emprego. Passei de novo por todos os departamentos para identificar os que tinha mais afinidade. Eu tinha que conquistar o meu lugar. Decidi que iria ficar na área comercial. Fiz um projeto grande de Gerenciamento de Categoria, que está em atividade até hoje”.
Em 2015, a família decidiu iniciar um processo de governança corporativa, que está em andamento até hoje. Foram ouvidos todos os funcionários da empresa e liderança da família ou não. “Tínhamos muitos líderes preparados porque sempre incentivamos o crescimento profissional de nossos funcionários, inclusive com um plano de carreira bem definido, mas naquele momento a empresa me escolheu para ser líder. Foi uma escolha baseada no sentimento empresarial como um todo. Não estou aqui neste cargo por indicação do meu pai ou de qualquer outra pessoa, mas por uma avaliação profissional que revelou o sentimento do todo. Isso muito me conforta e me dá ainda mais responsabilidade para representar essa equipe”.
Elisa é a segunda das quatro filhas do presidente Luiz Antonio Tonin. A primogênita, Ana Luiza, atua na diretoria Comercial, a terceira, Lilian é a diretora de Marketing e a caçula, Lídia, está na diretoria Financeira. O processo de governança continua e está na etapa de formação do conselho administrativo e financeiro que será composto por conselheiros externos e internos, inclusive o sr. Luiz Antonio Tonin irá para o conselho e em breve deixará a presidência do grupo.