Por Felipe Rosa Mendes e Ricardo Magatti
A temporada 2022 da Fórmula 1 vai começar oficialmente nesta sexta-feira com os primeiros treinos livres do GP do Bahrein. Mas nada indica que o campeonato deste ano será uma sequência natural da última e tumultuada corrida de 2021, quando o holandês Max Verstappen ultrapassou o inglês Lewis Hamilton na última volta em Abu Dabi e se sagrou campeão em meio às polêmicas decisões do então diretor de provas Michael Masi.
Os fãs de automobilismo poderão ter pela frente uma competição bem distinta daquela, com novos protagonistas e equipes resgatando o prestígio chamuscado nos últimos anos. Esse é o caso da Ferrari, que se destacou na pré-temporada. A Red Bull também foi bem e está à espera do que a Mercedes poderá mostrar neste ano, após certo jogo de “esconde-esconde” nas baterias de testes de Barcelona e do Bahrein.
O grande diferencial deste ano é a profunda reformulação dos carros da categoria. Na busca por melhor rendimento dos monopostos sem a famigerada turbulência, que impede maior número de ultrapassagens durante as provas, a F-1 encontrou soluções na década de 80, no conceito de “carros-asa” e “efeito-solo”. A novidade também se deve à busca por disputas mais equilibradas na pista para aumentar a competitividade e atrair mais público.
Na prática, os modelos foram recriados do zero, a partir do chassi, que passou a ter papel determinante na aerodinâmica dos veículos. Houve mudanças ainda nos aerofólios, dianteiro e traseiro, nos pneus, nas laterais, tudo para deixar o carro mais eficiente e com maior capacidade para fazer ultrapassagens. De quebra, os modelos se tornaram mais agressivos e bonitos visualmente. A direção americana da F-1 promete um show nas pistas. Até o safety car mudou de cor.
‘PULOS’ NA PISTA
Os novos carros trouxeram novas preocupações. Logo nos primeiros testes da pré-temporada, em Barcelona, os modelos deste ano apresentaram leves solavancos nas retas do Circuito da Catalunha Com essas vibrações, o carro “quica” sobre o asfalto, como se percorresse um traçado cheio de buracos. O problema ganhou o nome de “porpoising”, em referência ao movimento de nado de alguns animais aquáticos, caso do golfinho (porpoise, em inglês)
Este movimento do carro não chega a reduzir a velocidade dos monopostos, mas pode trazer danos ao modelo e ao próprio piloto, principalmente nas costas. A causa é uma falha aerodinâmica do chamado “efeito-solo”. O ar que passa sob o carro não estaria trazendo os efeitos mais desejados.
Na prática, a maior parte das equipes amenizou, ainda que aparentemente, o problema já na segunda e última bateria de testes da pré-temporada, na semana passada. Mas há a expectativa sobre como cada carro vai se comportar nas diferentes pistas do calendário. Traçados de maior velocidade podem ampliar o problema.
HAMILTON X VERSTAPPEN
Apesar das novidades do ano e da expectativa por novos protagonistas no campeonato, a rivalidade entre Hamilton e Verstappen deve ser mantida, talvez até ampliada, na temporada 2022. Se o holandês terá o combustível extra da confiança elevada, pelo título conquistado, o britânico já avisou que não está para brincadeira neste ano. Ele quer retomar o troféu.
Ao fim da pré-temporada, Hamilton disse que a Mercedes não tinha carro para vitórias neste ano, ao menos temporariamente. Mas afirmou que se vê “mais perigoso” e ainda “no topo”, depois da experiência traumática na corrida final de 2021. Na ocasião, vencia a prova com certa folga, muito perto do oitavo título mundial (então novo recorde da F-1), quando uma batida mudou a história da prova e do campeonato.
Decisões desastradas e contestadas de Michael Masi deixaram Verstappen colado em Hamilton na pista após a entrada do safety car no traçado. Com pneus novos, o holandês passou fácil o rival na última volta e venceu. A Mercedes contestou, os dirigentes do time ameaçaram mover mundos e fundos para rever o resultado. Sob pressão, a Federação Internacional de Automobilismo (FIA) apurou o caso, não alterou o resultado, mas demitiu seu então diretor de provas.
Mesmo sem se destacar na pré-temporada, a Mercedes pode até perder a hegemonia – são oito títulos do Mundial de Construtores consecutivos -, mas deve estar na briga pelos troféus. Afinal, vem investindo tempo e dinheiro (dentro do teto de gastos) no novo projeto dos carros da F-1 há alguns anos em sua poderosa fábrica, com mais de 2 mil funcionários.
O SUMIÇO DE HAMILTON
O decepcionante fim de temporada fez Hamilton desaparecer das redes sociais por dois meses. Neste período, fez apenas duas aparições públicas, quase inevitáveis, na despedida do finlandês Valtteri Bottas da Mercedes, na fábrica, e na cerimônia em que recebeu o título de Cavaleiro da Rainha, do príncipe Charles, no Castelo de Windsor.
Declarações do chefe da equipe, Toto Wolff, aumentaram os rumores de que o piloto poderia se aposentar da Fórmula 1. Nem a Mercedes e nem o próprio Hamilton desmentiam o boato, usado de certa forma para pressionar a FIA a respeito de uma decisão sobre o resultado do campeonato de 2021.
No início de fevereiro, Hamilton retornou às redes sociais sem comentários explicativos. Disse apenas: “Eu fui. Agora estou de volta!”. Os rumores foram ao chão e os fãs respiraram aliviados. De volta às pistas nos testes de Barcelona e Bahrein, o inglês esteve longe de brilhar e acabou voltando ao noticiário por um motivo improvável.
Ele revelou que pretende mudar seu nome para acrescentar o sobrenome da mãe, Larbalestier. O inglês, portanto, pode aparecer com “nova identidade” na tabela de tempos dos treinos e corridas da F-1 neste ano.
FINAIS DE SEMANA MAIS ENXUTOS
A partir deste ano, os finais de semana da Fórmula 1 serão mais enxutos, de forma a aumentar a economia na categoria. Até 2021, a etapa começava na quinta-feira, quando os pilotos faziam a tradicional caminhada na pista e passavam a maior parte do dia atendendo a imprensa.
A tradicional entrevista coletiva de quinta e as eventuais individuais agora serão realizadas às sextas-feiras, antes do primeiro treino livre do dia. Na prática, isso significa um dia a menos de trabalho para o estafe interno de todas as equipes, dos pilotos aos funcionários que cuidam dos centros de hospitalidade de cada time.
Por causa da pandemia de covid-19, a coletiva de quinta chegava a ter quase quatro horas de duração, envolvendo os 20 pilotos do grid. Agora serão duas horas de atendimento aos jornalistas na sexta. A imprensa, portanto, terá menos acesso aos pilotos e aos dirigentes dos times.
Estes vão conceder coletiva aos sábados, um dia depois do que acontecia até 2021. Esta entrevista será sempre realizada no início do dia, uma hora e meia antes do início do terceiro e último treino livre. A programação de domingo foi mantida.
DEMISSÃO DE MICHAEL MASI E NOVO DIRETOR DE PROVAS
As decisões controvérsias de Michael Masi como sucesso de Charlie Whiting fizeram o novo presidente da FIA, Mohammed Ben Sulayem, tirá-lo do cargo de diretor de provas. Nesta temporada, o alemão Niels Wittich e o português Eduardo Freitas se alternam no posto, com assistência do veterano Herbie Blash, escolhido para voltar a ser conselheiro sênior permanente. Blash é muito próximo de Bernie Ecclestone, ex-chefão da Fórmula 1, o que evidencia a influência de Ecclestone na nova gestão da FIA.
Ben Sulayem também implementou outras mudanças, como a adoção de uma sala virtual de controle de corrida, em um escritório da FIA fora dos circuitos, em processo semelhante ao VAR do futebol, além de restringir as comunicações de rádios das equipes para resguardar a direção de prova de pressões externas.
RECORDE DE AUDIÊNCIA E PÚBLICO NOS CIRCUITOS EM 2021
Focada em jovens e mais popular, a Fórmula 1 registrou recorde de audiência televisiva global em 2021, de 1,55 bilhão de espectadores, com alta de 4% em relação a 2020, o que demonstra o aumento do interesse mundial pela categoria, puxado, sobretudo, pela rivalidade entre Hamilton e Verstappen. A corrida derradeira em Abu Dabi atraiu 108,7 milhões de espectadores, 29% a mais que a mesma etapa de 2020. Algumas das maiores praças do campeonato, como EUA, França, Itália e Inglaterra, se destacaram com números expressivos em audiência.
No Brasil, os números diminuíram, mas “houve resultados muito positivos”, segundo relatório da F-1, que apontou que a categoria desfruta de “cobertura muito mais aprofundada e com mais horas de transmissão do que em 2020”, em referência à transmissão da Band, emissora que voltou a transmitir as etapas depois de 41 anos. A Globo abriu mão do campeonato. Em 2021, as corridas levaram 2,69 milhões de pessoas às arquibancadas. O GP de São Paulo atraiu 181 mil espectadores em três dias de evento, maior público da história.
EFEITOS DA INVASÃO RUSSA À UCRÂNIA
Como quase tudo no mundo, a Fórmula 1 foi impactada pela invasão da Rússia à Ucrânia. A Haas rompeu o contrato com o russo Nikita Mazepin e desfez a parceria com a empresa russa Uralkali, cujo dono, Dmitry, pai do piloto, é amigo pessoal do presidente Vladimir Putin.
A guerra na Ucrânia também fez a direção romper o contrato com os russos em definitivo e, portanto, banir a nação do Leste Europeu de seu calendário de corridas. O GP do país estava marcado para o mês de setembro, em Sochi. Foram oito provas realizadas na cidade. Em 2023, São Petersburgo estrearia no calendário. Sem o GP russo não haverá recorde de corridas. São 22 provas confirmadas. Resta saber se a data aberta será preenchida.
SEM BRASILEIRO, MAIS UMA VEZ
A saída de Mazepin da Haas criou esperanças nos fãs brasileiros, que gostariam de ver Pietro Fittipaldi no grid. O brasileiro, porém, foi preterido pelo dinamarquês Kevin Magnussen, que retorna à equipe após um ano fora, e o País continuará sem um representante na pista – o último foi Felipe Massa.
O neto do bicampeão mundial Emerson Fittipaldi era o candidato mais natural à vaga por ter sido piloto reserva do time americano nos últimos três anos. No entanto, pesou contra ele a ausência de patrocinadores poderosos. Pietro participou da última bateria de testes da pré-temporada no Bahrein.
DANÇAS DAS CADEIRAS DOS PILOTOS
A temporada começa com cinco mudanças entre os 20 pilotos do grid. A principal delas é a entrada na Mercedes do britânico George Russell, que será o parceiro de Lewis Hamilton. A Williams assinou com o tailandês Alexander Albon para repor a saída de Russell. O antigo companheiro de equipe do heptacampeão mundial, o finlandês Valtteri Bottas, migrou para a Alfa Romeo para ocupar o lugar de seu compatriota Kimi Raikkonen, que deixou a categoria.
Bottas terá a companhia Guanyu Zhou, piloto de 22 anos que será o primeiro chinês na Fórmula 1. Na Haas, Kevin Magnussen retorna para formar parceria com Mick Schumacher substituir Nikita Mazepin, fora da equipe em virtude da invasão da Rússia à Ucrânia.