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A roubada do palmeirense

Não arquivo minhas crônicas, como escrevo às sextas-feiras e faz 16 anos, já aconteceu de, por não me lembrar de textos, publicar novamen­te algum causo por mim vivido ou que me contaram. No caso de hoje, atendo a um leitor amigo.

Domingo passado, caminhando na piscina do Clube de Regatas com meu amigo João Mattiolli, engenheiro e palmeirense roxo ao quadrado, ele disse que já foi craque dentro das quatro linhas e que já tinha jogado ao lado de Sócrates. Surpreso, eu disse: “Opa! Aí tem causo… Mas como?”

Ter jogado com o Doutor é um privilégio pra poucos. João me contou, muito orgulhoso, que quando morava em Guatapará, ele muito jovem, joga­va para o time da casa e foi armada uma partida contra a colônia japonesa de Mombuca, que ficava próximo e a rivalidade era coisa de clássico.

Trabalhava no Botafogo um esportista de Guatapará que levou Sócrates pra participar da pelada. Naquela época, Magrão não era titular e ninguém o conhecia. Quando João e seus amigos viram Sócrates, muito magro, desengon­çado, até acharam graça, mas essa graça terminou assim que o jogo começou.

Era calcanhar pra cá, calcanhar pra lá, todos ficaram boquiabertos até que sobrou uma bola na entrada da área e Magrão mandou um canu­do fazendo 1 a 0. Depois fez mais um, fora o show. Guatapará ganhou e a resenha foi longe, regada a muitas geladas, segundo João.

Sócrates estava morando em São Paulo, fazendo especialização em medicina esportiva, e fez amizade com um vizinho que tinha uma loja na famosa rua 25 de Março. A amizade ganhou corpo e eles sempre saíam juntos por Sampa.

Os Gaviões da Fiel descobriram que Sócrates estava morando na capital, daí decidiram homenageá-lo na quadra da escola de samba. Magrão detestava sair só, resolveu convidar seu novo amigo, que no ato recusou, dizendo: “Sócrates, só se eu fosse louco pra aceitar seu convite. Me chama pra qualquer coisa, amigo, menos pra ir no ninho dos Gavi­ões. Sou palmeirense, não vou lá nem a pau!!!”

Mas ele não sabia que Sócrates tinha um poder de convencimento campeão e mandou essa: “Pô, cara! Ninguém lá sabe que você é palmei­rense, só eu e eu não serei babaca de te entregar, vamos lá parceiro…”

O cara topou, os Gaviões prepararam a maior festa pro Doutor, que nunca tinha estado lá, a bateria da escola de samba arrebentando, as passistas com seus minúsculos biquínis desfilavam bem na sua frente, muitos barris de chope…O amigo teve o mesmo tratamento, até que Sócrates, já bem alegre, disse: “Meu amigo aqui é palmeirense”. E sorriu.

Os Gaviões também riram, pensando ser uma piada, até porque, qual palmeirense teria a coragem pra tamanha façanha? O tempo foi passando, a noite avançou a madrugada, o amigo tinha que abrir sua loja bem cedo e começou a ficar incomodado. Naquela muvuca toda, um gavião invocado perguntou se era verdade o que Sócrates disse, e ele, muito babaca, disse que sim, que só foi lá de tanto o Magrão insistir

Quase deu um troço no Gavião, que esparramou pela quadra a presença de um palmeirense ali. O amigo, com muito medo, começou a fazer pressão pro Sócrates ir embora. Os Gaviões estrilaram, dizendo: “Pô, cara! O Doutor nunca veio aqui e você quer levá-lo embora? Nós te levamos, o Doutor fica”.

Sócrates, inocente, concordou. O amigo entrou num carro com três Gaviões, perguntaram onde ele morava, ele disse ser vizinho do Sócrates em Pinheiros, os caras tocaram pro lado oposto. Era uma favela. O tempo todo, os caras ameaçando, xingando, dizendo que ele só estava vivo por ser amigo do Doutor e que até hoje não tinha entrado um palmeirense na quadra deles.

O cara já se julgava morto quando pararam e a pontapés o expulsa­ram do carro. Deixaram-no numa viela escura e disseram: “Tomara que você morra, aqui você vai se ferrar”. Ele ficou vagando e rezando. Pra sorte dele surgiu uma viatura da Polícia Militar, que lhe deu cobertura até estar em segurança.

No outro dia ligou pro Sócrates e disse: “Pô, Magrão, que roubada você me colocou, cara!!!”

Sexta conto mais.

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