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Matreirices e outras mineirices

Minas sempre foi baluarte e especialista na arte de dialogar e parlamentar, além de forte habilidade, vocação e tentação para con­versas no pé do ouvido, cochichos e colóquios.

Produziu e produz talentos mil nesta área, que aprendi com o mestre Fernando Sabino, “mineiro não dá nome aos bois nem mesmo em Uberaba”, ou seja, não citar nomes, portanto não correr riscos de lembrar uns e esquecer outros.

Nas Gerais, em campanhas eleitorais principalmente nas cidades do interior, escreviam nas faixas e nos muros: “salve o nosso candi­dato”, “viva o nosso candidato”, “apoiamos o nosso candidato”.
Interessante que não era citado o nome do dito candidato, pois as propagandas com apoios e saudações serviam para todos.

Entre crenças, tradições, ditos, verdades, meias verdades, supostas verdades, frases foram sendo cunhadas sobre a pecu­liar maneira e o “modus vivendi” dos moradores de Campos de Cataguás, Campos Gerais dos Cataguases, Capitania de Minas Gerais, Vila Rica do Pilar e Estado de Minas Gerais que entre matreirices e soslaios, destacamos:

“Não laça boi com embira, não dá rasteira no vento, não pisa no escuro, não anda no molhado, só acredita na fumaça quando vê o fogo, só arrisca quando tem certeza, não briga, mas não faz as pazes, mais que dois é multidão” e vai a cantilena e tocando o enterro.

“Estórias” foram surgindo de todos os lados, apelidadas de “causos”, que por mais absurdos e inverossímeis que possam parecer, nunca em toda a minha existência, ouvi um mineiro confirmar ou negar, fazendo coro nas palavras que viraram bordões.

“É, eles diz que é verdade”, “eles diz que foi deste jeito”, “as veiz resolve”, “puis é, eles fala né”, “parece que foi desse jeito, de banda, cê nunca ouviu falá não”, “eu não vi, que viu foi o Tonico da Genciana”, “meu Deus! Como é que pode”, “estou abestado”.

Nunca em tempo algum qualquer mortal, ancião, magistrado ou decano e, pelas barbas do profeta o que deve significar, “eles, veiz”, trem, vixi, cadiquê, servem para tudo e para nada. Caíram na boca do povo, geração após geração, contados sob o querosene da lampa­rina, no alumiar do toco da vela, na amarela e fraca lâmpada elétri­ca, ao lado do fogão a lenha, juntinho das cadeiras nas calçadas, nos velórios e nas rodas de café com pão de queijo e broa de fubá.

Sempre permanecem encobertos pelo manto da dúvida ou o sacramento da verdade, guardados e resguardados por álibis idôneos, perfeitos e infalíveis, guardando a sete chaves os vixies, eles e os as veiz.

Tempos após tempos, séculos após séculos, toda a eternidade ungida pelos signos sob a batuta, marcando a ausência ou presença com que é garantida a veracidade dos fatos.

Sem mais delongas, devaneios e viagens vamos ao episódio.

Dois matutos mineiros encontravam-se agachados, proseando, em um finalzinho de tarde, tendo os calcanhares das botinas como bancos, mastigando um ramo, pitando um “paiero”, mirando o ho­rizonte, contemplando a imensa solidão e a melancolia do crepús­culo que brota dos céus de Minas, como disse Adoniran Barbosa, “conversando sobre coisas que a gente não entende nada”.

Eis que passa um elefante voando.

Um deles balança a cabeça e murmura: “é”!

Segundos depois, dois elefantes voando, o outro sussurrou, aper­tando a palha acesa entre os dentes:

Pois é né “cumpadi”.

Outros segundos e seis elefantes voando. O primeiro balbucia: vixi!

De repente uma manada de elefantes voando em monumental revoada ao entardecer.

O segundo olha para o amigo e vaticina:

“O ninho deles deve ser aqui perto.”

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