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O Peru e sua Literatura (7): Gómez Suárez de Figueroa

Gómez Suárez de Figueroa, conhecido como Inca Garcilaso de la Vega, nasceu em Cuzco (Peru), em 1539, e morreu em 1616, em Córdoba. Era descendente do antepenúl­timo imperador inca. De acordo com especialistas, seus biógrafos costumam distinguir duas etapas de sua vida em Cuzco. A primeira, até os vinte anos, quando o autor, vivendo com os pais, tinha contato com a cultura indígena, o que impactaria em sua obra futura. A segunda, até partir para a Espanha, enquanto vivia com o pai após a desintegração da casa em que viviam. Em 1560, morre seu pai e Garcilaso vai para a Espanha, sendo acolhido por seu tio. Em 1588,
mortos os tios, herda destes a biblioteca riquís­sima e a herança familiar e, com ela, dá início à publicação de sua obra, baseada, especialmente, nas memórias do que viveu em Cuzco. Fazem parte dela, os seguintes títulos: a tradução “Três Diálogos de Amor de León Hebreu” (Madri, 1590); “Relação da descendência de Garci Pérez de Vargas”, prólogo de “La Florida del Inca” (1593 e 1605); “Comentários Reais – Primeira Parte” (Lisboa, 1609), em que reuniu crônicas, relatos (como a Historia Occidentalis de B. Valera), lendas e tradições indígenas; “História Geral do Peru”, que foi seu último livro, planejado como a segunda parte dos “Comentários” e publicado após sua morte (Córdoba, 1617).

Ao mesmo tempo em que se dedicava à sua obra literária, na qual o filho natural às vezes o ajudava (cuja existência só foi descoberta há alguns anos), Garcilaso levava uma movimentada vida social, em Córdoba, negociando cereais, ação que lhe permitiu aumen­tar sua fortuna. Em 1612, comprou uma capela da prefeitura, manifestando o desejo de ser nela enterrado. No final de seus dias, chegou a ingressar no clérigo, em ordens singelas. Ao completar 77 anos, adoeceu e entendeu ser necessário preparar um testamento. De acordo com suas palavras, tinha honra de ser mestiço, “Os filhos de espanhóis e índios, ou de índios e espanhóis, chamam-se mestiços, para dizer que somos mestiços de ambas as nações; foi imposto pelos primeiros espanhóis que tiveram filhos em índios, e porque era um nome imposto pelos nossos pais e por causa de seu significado, eu o chamo de boca cheia e estou honrado com isso.”

O latim e o italiano moldaram seu estilo, assim como o de outros escritores castelhanos, seus contemporâneos. Suas tradução, como a da obra italiana “Diálogos de Amor” (1586), de León Hebreo, testemunham suas preferências filosóficas do Inca. Já por seus “Comentários Reais dos Incas” (1609) e “Conquista do Peru” (1613), Garcilaso ganha notoriedade tanto na história das letras castelhanas, quanto nas fontes dos estudos americanistas, ainda que, ao fazê-las, ele só pretendesse salvar memórias e escorar ruínas. Em suas palavras, “Eu, movido pelo desejo de conservar as antiguidades do meu país, aquelas poucas que ficaram, para que não se percam completa­mente, preparei-me para trabalhar tão excessivo como tem sido para mim até agora e diante de mim será, ao escrever sua antiga república até que esteja terminada”.

No entanto, segundo especialistas, como resultado da revolta de Tupac Amaru em 1782, um decreto real de Carlos III ordenou aos vice-reis de Lima e Buenos Aires que recolhessem todas as cópias que encontrassem dos Comentários do Inca, porque “os nativos aprenderam muitas coisas inconvenientes com eles”. O livro foi banido na América e registrado no índice expurgatório… mas na metrópole circulou livremente e foi reimpresso (Madri, 1801). Trabalho julgado perigoso pelo regime colonial, era lógico que merecesse toda a simpatia dos governos independentes. Em 1814, o libertador San Martín projetou uma edição para ser impressa em Londres. Os perigos da guerra o impediram. E “Os Comentários” e a “Conquista” não foram publicados na América até 1918.

Ainda segundo especialistas, muito se tem discutido sobre o valor histórico, e documental, da obra de Garcilaso. Há os que a consideram uma transcrição fiel da civilização inca. Há os que a chamam de fantasiosa e apologética. Entretanto, a verdade sub­jetiva que seus livros engendram, ou seja, o desejo de veracidade do autor, é inegável. O próprio autor se refere a como ele buscou, diligentemente, fontes de informação, bem como, quantas vezes valeu-se de sua memória pessoal, de sua visão direta, para fazê-lo, “Meus parentes, os índios e mestiços de Cuzco e todo o Peru, serão juízes de minha ignorância, e de muitos outros que encontrarão neste meu trabalho; perdoe-me, porque sou deles, e isso só para servi-los, aceitei um emprego, por mais desconfortável que seja para minhas poucas forças, sem qualquer esperança de recompensa sua ou de outros.”

Para estudiosos do autor, se a tradição recebida dos velhos incas, e de sua própria mãe, tinha mais epopeia do que história, não podemos culpá-lo. Se ele descreveu uma sociedade ideal mais do que uma sociedade real, não esqueçamos que é comum julgar um povo por sua constituição e suas leis. Se, na velhice, idealizava lembranças da infância e juventude; se, junto à sepultura, pensava no seu berço e com ternura filial, evocava a terra onde nas­ceu, então nada mais humano. Aquela terra distante, sua, era a terra de sua mãe, sua pátria, para falar com justiça, não seu país, como costumava chamá-lo. Garcilaso empreendeu o trabalho dos “Comentários” por motivos patrióticos, ou melhor, por solidariedade étnica, “para dar a conhecer ao mundo nossa pátria, nosso povo e nossa nação”.

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