Por Tânia Rabello
Mesmo sem derrubar uma árvore, produtores rurais que adquiriram terras principalmente em áreas de expansão agrícola, como Norte do País e Matopiba (Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia), acabam se beneficiando do desmatamento feito anteriormente por terceiros. No mínimo, pagando mais barato pelo hectare, em função da maior oferta de terra agora agricultável. É o que aponta o estudo lançado pelo Instituto Escolhas, intitulado “Como o agro brasileiro se beneficia do desmatamento?”.
“Se você é produtor e aumentou sua área de cultivo no período de 2006 a 2017, o desmatamento foi um subsídio para a aquisição das suas terras, mesmo que você não tenha derrubado uma só árvore”, reforça o estudo, coordenado pela gerente de Portfólio do Instituto Escolhas, Jaqueline Ferreira, e que contou com a execução de uma equipe multidisciplinar de pesquisadores da Esalq-USP, formada por Joaquim Bento de Souza Ferreira Filho, Gerd Sparovek, Adauto Brasilino Rocha Junior, Alberto Barreto, Arthur Fendrich e Giovani William Gianetti.
O Instituto Escolhas explica, no estudo, que o valor de mercado de um pedaço de terra é influenciado por diversos fatores, como infraestrutura, proximidade de cidades, passando por disponibilidade de água para irrigação e acesso a orientação técnica. “A partir do desenvolvimento de modelagens espacial e econométrica inéditas – que utilizou dados sobre o preço da terra, a agropecuária e a mudança de uso da terra no País entre 2006 e 2017, o estudo isolou o desmatamento e a consequente incorporação de terras para uso agropecuário dos demais fatores que influenciam o preço da terra”, continua. “Com isso, foi possível observar o seu efeito no preço da terra e dos produtos agrícolas.”
Segundo o estudo, a incorporação de novas áreas desmatadas no mercado de terras entre 2011 e 2014, por exemplo, provocou uma depreciação de R$ 136,7 bilhões no valor do estoque de terras brasileiro, ou o equivalente a uma redução média de R$ 391 por hectare. O “estoque” de terras consiste nas terras disponíveis do País. E o valor foi depurado multiplicando-se o preço médio do hectare no País pelo total de terras disponíveis.
Em áreas de expansão agrícola, como Matopiba e Amazônia, a depreciação alcançou R$ 83,5 bilhões em 2017, ou 25% do valor da terra, “o equivalente a uma redução média de preço de R$ 985 por hectare”, aponta o levantamento do Instituto Escolhas. Em São Félix do Xingu (PA), por exemplo, que é o município com maior depreciação observada, o preço por hectare em 2017 era de R$ 2 476. “Sem o desmatamento de anos anteriores, o preço teria chegado a R$ 6.606 por hectare”, aponta o Escolhas.
Outra conclusão é de que 93,5% (ou 5.218) municípios brasileiros tiveram redução no preço de terras por causa do desmatamento. “Entretanto, apenas 61 deles, ou 1,15% acumularam metade da redução observada”, anota o trabalho – sendo que esses 61 municípios estão situados, em sua maioria, em área de expansão agrícola.
E não só isso: o estudo conclui também que até mesmo o preço de commodities agrícolas poderia ser maior, não fosse o “efeito desmatamento”. “No caso da soja, houve redução no preço médio da saca de R$ 3,10, ou 4,5% a menos”, diz o Instituto Escolhas. “Em relação ao valor bruto da produção agropecuária de soja em 2017, isso representou perda de R$ 6,67 bilhões.”
Para Jaqueline Ferreira, o estudo comprova que “o desmatamento ocorrido na fronteira agrícola, na Amazônia e no Cerrado, deprecia o preço de terras do País como um todo, funcionando como uma espécie de subsídio ou desconto para aqueles produtores que têm como estratégia a incorporação de novas áreas para o aumento da produção”, cita. “Já os produtores que apostam no aumento da produtividade de suas áreas saem perdendo com o desmatamento, uma vez que têm o preço suas terras depreciadas.”
Ao mostrar que poucos ganham muito com a depreciação do preço da terra, o estudo traz mais uma evidência de que o desmatamento prejudica o setor. “Ainda assim, a maior parte do agro se esquiva de adotar medidas concretas para se desvincular do desmatamento, como a rastreabilidade de todos os fornecedores das cadeias produtivas ou o registro e georreferenciamento das propriedades”, cita Jaqueline Ferreira. “Ou, ainda mais grave, é comum ver lideranças do setor defendendo ou tolerando silenciosamente o desmonte da legislação ambiental e a rotina de atos de regularização fundiária que premiam quem desmata.”