Ao menos nove armas foram furtadas ou roubadas a cada dia, nos últimos dez anos, no Estado de São Paulo, revela estudo do Instituto Sou da Paz. Um terço das armas que foram recuperadas estava em um raio de dez quilômetros do local da subtração e 45% estavam na mesma cidade, indicando que eram usadas por criminosos na mesma região da vítima.
Os furtos representam 60% dos casos. Embora desde 2011 os registros indiquem tendência de queda, houve aumento recente nas ocorrências envolvendo pessoas da categoria de caçadores, atiradores e colecionadores (CAC), beneficiada pelas novas regras do governo federal que flexibilizaram o acesso às armas.
Ocorrências
O instituto analisou todas as 23.709 ocorrências classificadas como roubo, furto ou desvio de armas de fogo entre 2011 e 2020 no Estado de São Paulo. No total, foram 33.053 armamentos, embora o número possa ser maior, pois há casos em que as vítimas não registram a ocorrência.
Os furtos representam 60% e o maior número de casos se dá em residências, mas repartições públicas, como fóruns e delegacias, bancos e empresas de segurança têm mais armas levadas por ocorrência. Nesse item, os fóruns lideram com 457 armas furtadas em quatro ocorrências.
Segurança
São seguidos pelas empresas de segurança, com 943 levadas em 19 ações. Para o advogado Bruno Langeani, gerente do instituto e responsável pelo estudo, a prevalência dos furtos – crime sem emprego de maior violência – sinaliza que há negligência no cuidado com a arma.
“Vimos que isso se acentua com o passar do tempo, por isso é significativo o número de idosos entre as vítimas. No começo, a pessoa que compra a arma tem um cuidado maior com ela, que depois vai afrouxando”, diz Bruno Langeani.
Casa
O ambiente residencial se mostra como mais propício para desvios, por existir em maior número e também por geralmente ter segurança e vigilância mais precárias. “Isso mostra quão frágil é o argumento de que a arma protege a casa”, emenda.
“Os criminosos veem como um atrativo, pois é um bem valioso; aproveitam que não tem gente em casa e furtam. Se olhar na pesquisa os meses em que mais acontecem ocorrências, são dezembro e janeiro”, detalha Langeani. O estudo observou casos em que a vítima demora meses ou até anos para se dar conta da subtração.
Registro
O problema se agrava com as recentes mudanças nos governos Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL) que ampliaram de três para cinco e, depois, para dez anos a renovação do registro – quando o proprietário se vê obrigado a verificar as condições da arma.
Mais furtados
Conforme o tipo, as mais furtadas são revólveres (49,7%), pistolas (28,8%) e espingardas (12,1%). Mas Langeani observa que a liberação federal da compra de armas de uso restrito fez crescer as ocorrências envolvendo pistolas .40. E casos em residências de colecionadores, atiradores e caçadores já estão em segundo lugar no ranking de ocorrências, com média de 20 armas desviadas por ação.
Como essa categoria tem acesso a tipos e calibres restritos, é dela que são roubadas armas mais potentes. Em cinco ocorrências foram levados fuzis, sendo doze só em uma, além de duas metralhadoras, incluindo uma .50, capaz de perfurar blindagens e usada em assaltos a bancos.
Vigilantes e policiais aparecem como vítimas mais frequentes, demonstrando que o fato de serem treinados não os torna imunes porque são categorias que trabalham muito tempo com a arma e ficam mais suscetíveis aos furtos, diz o responsável pelo estudo.
As armas abastecem ‘vizinhança’ do bairro
Em cerca de 1,2 mil ocorrências, foi possível identificar a distância entre o local do roubo ou furto e o local em que o armamento foi recuperado pelas autoridades, diz o estudo do Instituto Sou da Paz. E a maior parte (32%) das armas estava a até 10 quilômetros do local do roubo.
Com isso, o roubo acaba por alimentar a insegurança do mesmo bairro, cidade ou região da vítima. A porcentagem sobe para 55% nos casos em que a arma foi recuperada a até 20 quilômetros do local original. Chama a atenção ainda a quantidade de armas levadas em roubos a delegacias e fóruns.
Apenas no ataque ao Fórum de Diadema, na região metropolitana de São Paulo, em junho de 2017, foram levadas 391 armas. Quanto mais tempo se passa após o furto, mais difícil fica recuperar a arma. Em 42% dos casos, o armamento fica mais de sete anos sendo usado em crimes até ser recuperado.
A Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP) informa que, no período analisado, os casos de roubos e furtos caíram 7% e 28%, respectivamente. Especificamente no caso de armas de fogo, a redução é ainda maior: 63%, se consideradas as ocorrências, e 59% ao analisar armas extraviadas.
Passaram de 3.998 para 1.623 em 2020. As polícias ainda retiraram das ruas 162.283 armas. A SSP-SP ressalta que, em geral, os casos de extravio de armas de policiais estão relacionados a crimes contra a vida, nos quais os agentes são vítimas. Ministério da Justiça e Polícia Federal não se pronunciaram.