“Reciclar, aproveitar, dar vida nova a uma peça jogada ou encostada em algum lugar é para mim algo muito prazeroso”. As palavras são do engenheiro agrônomo Benedito Gléria Filho, diretor financeiro da Associação de Engenharia Agronomia e Arquitetura de Ribeirão Preto (AEAARP). Além de reciclar, Gléria resgata peças de importantes construções do passado, dando valor histórico às novas obras.
Natural de Ituverava, Gléria veio para Ribeirão Preto quando tinha cinco anos de idade. São 71 anos aqui. Formado em 1975 em Agronomia pela Unesp de Jaboticabal, hoje se define como um “aposentado em plena atividade”.
Sobre os trabalhos de restauro e reciclagem, Gléria diz que gostaria de ter começado antes, por conta do “prazer e satisfação que o trabalho proporciona”.
Um exemplo desse trabalho é um escritório de sua propriedade, que se encontra alugado, localizado na avenida Senador César Vergueiro. Lá foram usadas duas vigas de sustentação, aparente de madeira nobre, uma de peroba rosa e outra de bálsamo, medindo 12 metros de comprimento por 0,40mx0,40m de face, lavradas a machado, aproveitadas da Fazenda Palmital, em Sertãozinho, quando da demolição da tulha de café.
“Além disso há toda uma preocupação com o verde, com o bem estar. Penso além da reutilização de materiais, na vida de quem vai habitar. É um conjunto”, diz.
“Faço isso [reciclar] há bastante tempo, uns trinta anos. Isso tudo começa com um verdadeiro garimpo a céu aberto ou em alguns depósitos de material de demolição”, explica o agrônomo.
Em outra obra, Gléria recuperou as portas de ferro do Banco F. Barreto, cuja sede era na rua Álvares Cabral, no Centro de Ribeirão Preto, um importante edifício no passado da cidade. “Quando vi essas portas, perguntei o que seria feito. Elas seriam derretidas. Comprei na hora”, lembra.
Outra peça, ainda em trabalho de restauração, pertenceu à Igreja Matriz de Brodowski. A porta possui duas lâminas em madeira maciça feitas em uma época em que não se usava qualquer fechadura, mas duas travas internas que se abria e fechava somente pela parte interna da igreja.
“Essa porta tem algumas histórias. Primeiro dizem que o próprio Candido Portinari passou por ela inúmeras vezes quando ia levar a sua nonna na igreja. Outra que teve um padre que resolveu trocar toda a estrutura de madeira por inox. Eu consegui essa porta por meio de um policial militar aposentado. Ele ficou com parte dessas estruturas descartadas pelo padre. Quero manter a originalidade dela na obra em que será usada, ou seja, só poderá ser fechada e aberta por dentro”, conta.
“Também aproveito peças menores como puxadores, telhas francesas importadas da França na época, vitrais, tijolos, pisos hidráulicos com mais de 100 anos, pedaços de mármore, aproveitadas do entulho de marmoraria”, acrescenta.
Gléria explica que algumas peças são usadas como decoração. “Restauramos um lampião ferroviário de 1892 importado da Inglaterra em cobre e ainda com fiação de pano. Outras peças interessantes são as cafeteiras para usar coador de pano, usadas para manter o café quente, e ficavam em cima do balcão de bares e restaurantes ali pela década de 1920 e 1930”, denomina.
O engenheiro diz que apesar do trabalho de pesquisa, garimpo e restauro, que demanda tempo, o resultado final é gratificante. “É um trabalho que ocupa um pouco de tempo, mas é uma verdadeira terapia e entretimento e tira muitas peças que se perderiam na poeira do tempo.
Depois de tudo pronto é um trabalho gratificante e um tônico para nossa alma. Além de dar trabalho e viabilizar a vida e o sustento de pessoas que são verdadeiros artesãos. Um problema é que hoje esse profissional está em falta”, finaliza.