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Lições e vitórias de um xilogravurista que a pandemia jogou nas redes

Foto/Reprodução/Redes Sociais
Por Marcio Dolzan

Quando a pandemia chegou, o artista plástico Ciro Fernandes se viu privado de uma de suas atividades preferidas: receber pessoas de todas as idades em seu ateliê, num apartamento da Lapa, na região central do Rio, para conversar, trocar ideias e mostrar suas obras. Mas foi aí que, prestes a entrar em sua oitava década de vida, ele decidiu driblar o isolamento se abrindo para uma dessas coisas típicas das novas gerações. Com a ajuda do filho, Bruno, o artista criou uma conta no Instagram e passou a exibir suas obras no ambiente virtual, interagindo com gente do mundo todo. Pouco mais de um ano depois, já são mais de 41,5 mil pessoas que o seguem na rede social.

Reconhecido no Brasil e no exterior pela beleza de suas xilogravuras, Ciro Fernandes fez do @cirofernandesxilo um espaço para mostrar a beleza de seus traçados e aproximar as pessoas.

Ele conta com o auxílio de Bruno para interagir na rede social – são cerca de 15 a 20 mensagens privadas diferentes todos os dias, além dos comentários nas postagens. O espaço também acaba servindo como chamariz para a loja virtual, onde estão expostas em torno de 100 xilogravuras. Em um ano, cerca de 500 já foram vendidas, sendo que algumas foram enviadas para países como Itália, Austrália e EUA.

Apesar de expostas em ambiente virtual, as obras seguem sendo feitas do modo tradicional. “Eu trabalho todos os dias. Não tenho uma rotina, um horário. Só quando os vizinhos falam ‘para com esse barulho!’ que eu paro”, brinca Ciro, numa referência ao modo artesanal como são feitos os moldes das peças em madeira. “Às vezes preciso usar um martelo, aí o povo não gosta.”

Nascido em 31 de janeiro de 1942 no pequeno município de Uiraúna, na Paraíba, Ciro Fernandes tem como grande marca a arte de cordel. “Nasci em uma casa de artistas, nem lembro quando comecei a desenhar. Minha mãe desenhava e falava dos grandes desenhistas: ‘fulano faz a cara de sicrano direitinho’. Ela fazia pintura também. E meus tios eram todos músicos, todo mundo era ligado à arte”, conta.

Em mais de 60 anos de trabalho, Ciro Fernandes ilustrou obras de músicos, poetas e intelectuais como Ferreira Gullar, Rachel de Queiroz, Gilberto Freyre, Guimarães Rosa, Zé Ramalho, Sérgio Ricardo, Chico Science e muitos outros.

Histórias

Os trabalhos renderam boas histórias. “Gilberto Freyre queria que eu colocasse a capa do livro dele, Casa Grande e Senzala. Quem me chamava era sempre o Daniel, irmão de José Olympio (livreiro). Ele me dizia: ‘Ciro, venha aqui, você vai almoçar com o Gilberto Freyre’. Eu dizia: ‘ô Daniel, mas eu nem li. Eu não conheço nada de Gilberto Freyre’.”, relembra Ciro. “Me sentei, e a primeira coisa que o Gilberto me pergunta é quantos livros dele eu já tinha lido. Eu digo: ‘Mestre, eu não li nenhum’. E ele disse: ‘Isso é bom, porque assim eu lhe conto, e a capa vai sair como eu quero’. Eu nunca tinha visto um autor que ficasse feliz por não terem lido o livro.”

Os pedidos para ilustrar obras ainda acontecem – Ciro recebe encomendas para fazer cartazes de filmes, folhetos, livros e outros. Mas, ele admite, o que gosta mesmo é de fazer “o que dá na telha”. “Eu tenho preferência por não trabalhar”, diverte-se. “Mas, quando sou obrigado, faço gravura, pinto, faço violões.”

São principalmente essas gravuras espontâneas que chamam a atenção dos fãs de seu trabalho. A obra Araguaia, inspirada em Guernica, de Pablo Picasso, é uma das mais procuradas. Bem-te-vi esgotou rapidamente, mas ainda hoje recebe pedidos para ter uma nova tiragem – o que não é possível, uma vez que as xilogravuras são numeradas. A alternativa do artista foi desenhar outra ave, e assim surgiu Tucano.

Com a pandemia dando sinais (aparentemente) de estar sendo controlada, as visitas ao ateliê de Ciro Fernandes vão sendo retomadas. Por ora, elas devem ser agendadas. “Eu gosto muito de visitas. A gente conversa, sabe o que os outros estão fazendo. São pessoas simples e intelectuais em geral, que gostam de cordel”, diz o artista.

Enquanto a normalidade não volta na plenitude, o jeito é admirar o trabalho do artista pelas redes sociais. “Pelo menos o Instagram é como a covid, é mundial”, brinca o artista. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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