A Câmara dos Deputados aprovou no dia 15 de dezembro o Projeto de Lei Complementar 27 de 2020, que reformula o Sistema Nacional de Crédito Cooperativo. O projeto, de autoria do deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP) foi aprovado na forma do substitutivo do deputado Evair Vieira de Melo (PP-ES), que fez alguns ajustes de termos, permitindo a gestão de recursos oficiais ou de fundos públicos ou privados por cooperativas de crédito, contanto que sejam para concessão de garantias aos associados, em operações com a própria cooperativa gestora ou com terceiros.
A proposta altera a Lei Complementar 130 de 2009 que disciplina o Sistema Nacional de Crédito Cooperativo, composto por cooperativas singulares de crédito, centrais de cooperativas e confederações de cooperativas centrais.
O projeto inclui explicitamente na legislação as confederações de serviço constituídas por cooperativas centrais de crédito, que se encarregam, por exemplo, da organização e padronização de procedimentos, do planejamento estratégico, da coordenação da capacitação profissional e da gestão de pessoas e da representação sistêmica perante o poder público e o Fundo Garantidor do Cooperativismo de Crédito (FGCoop).
A proposta que será enviada para análise do Senado está causando polêmica.
De um lado, está quem defende o projeto, como o deputado federal e autor do projeto, Arnaldo Jardim. Segundo ele, a lei busca um equilíbrio entre as necessidades que o Banco Central considera primordiais e as possibilidades de melhoria na gestão e governança das cooperativas para garantir cada vez mais oportunidades de atuação no mercado.
De outro, lideres de cooperativas como o médico de Ribeirão Preto, Fábio Luz, que afirma que a proposta é ruim para os negócios, ruim para o cooperado, ruim para a livre concorrência. “É uma reserva de mercado, agora à beira da legalização”.
O Tribuna entrevistou ambos para que defendessem seus posicionamentos sobre o projeto.
Fábio Luz é contra o projeto como ele foi aprovado
O médico Fábio Luz é membro da Cooperativa Medcred com sede em Ribeirão Preto. Fundada por médicos, ela admite também a participação de funcionários públicos em geral e é filiada ao Sistema de Cooperativas de Crédito do Brasil (Sicoob).
É uma empresa privada, modalidade cooperativa, no setor financeiro não bancário, tipo cooperativa de crédito, sem finalidade lucrativa e autorizada a funcionar pelo Banco Central desde 1999.
Tribuna Ribeirão – Por que o projeto aprovado pela Câmara dos Deputados e enviado para o senado prejudica as cooperativas?
Fábio Luz – Ele interfere em prerrogativas próprias a iniciativa privada e a liberdade econômica: torna intransponível a barreira de livre associação, em seu artigo “Art. 14-A. A cooperativa singular de crédito somente pode desfiliar-se de cooperativa central de crédito, por iniciativa própria ou da cooperativa central de crédito, quando estiver enquadrada nos limites operacionais estabelecidos pela legislação em vigor. Parágrafo único. A desfiliação, pela cooperativa singular de crédito, por sua iniciativa, da cooperativa central de crédito a que esteja filiada, depende da concordância: I – da maioria de seus associados, para tornar-se independente; ou II – da maioria dos associados votantes que represente, no mínimo, 1/3 (um terço) dos associados, para filiar-se a outra cooperativa central de crédito.” Tal situação burla a livre associação prevista pela constituição ao exigir quórum de dificílima condição. Obriga a que ninguém mais se desfilie e com isto também acaba com a livre concorrência entre centrais de crédito que ao prestarem melhores serviços atraiam as novas cooperativas, enquanto que a nova lei obriga a cooperativa singular a se manter filiada à central de má qualidade na prestação de serviço. Isto é ruim para os negócios, ruim para o cooperado, ruim para a livre concorrência. É uma reserva de mercado, agora à beira da legalização.
Tribuna Ribeirão – Este projeto foi discutido com as cooperativas?
Fábio Luz – Não. A combatida situação nos leva a crer na falta de transparência ampla, sem a devida consulta pública, ainda, induz que fora decidido ao arrepio da Lei, e às pressas sem o devido processo legal, o que torna ilegal e passivo de nulidade, pois apresenta indícios de interesse do segmento. Vislumbramos interesses escusos em sua mantença no sentido de ludibriar os interesses protegidos por Lei e apresentados como de interesse do segmento. Mas é uma burla, uma enganação. Interessa somente aquelas centrais de crédito e confederações, que cobram elevadas taxas de associação, chamadas de rateio. Se assemelha a um imposto. Mais um. Talvez exista alguma exceção.
Tribuna Ribeirão – O que vocês têm feito para tentar convencer os políticos a não aprovarem o projeto da forma como foi concebido?
Fábio Luz – Temos buscado a imprensa, falado com alguns políticos, que se mostraram acessíveis, mas, que nada fizeram até o momento. O poder econômico é muito forte. E domina o cenário, ainda mais quando a OCB (Organização das Cooperativas do Brasil) fica apresentando o projeto como uma vitória, dourando a pílula; esta participação da OCB leva a pensar na necessidade dela deixar de ser a única representante do cooperativismo, é preciso pôr fim ao monopólio de representação, para que haja pluralidade. Este projeto tem o espírito autoritário do AI-5 revivido no meio da empresa cooperativista, como se fosse algo bom, em especial, penso no artigo 16-A. É uma luta de David contra os Golias, aqui no plural mesmo.
Tribuna Ribeirão – Cite um exemplo prático de prejuízos para as cooperativas.
Fábio Luz – Se manter associada a uma central ineficiente, pagando as despesas, sem conseguir sair porque o quórum da lei é inatingível na prática. Outro aspecto, se uma empresa cooperativa passar por dificuldade em algum momento, sofrerá intervenção da Central, destituição de sua diretoria, eleita pelos seus cooperados, e como se tem observado, determina incorporação, ou seja, dá o patrimônio saudável a uma outra maior, sem pagar nada, e o prejuízo que poderia ser pago com o resultado futuro da cooperativa, é lançado contra a economia privada do cooperado. Sem mais nem menos. Sem previsão estatutária. Uma desapropriação sem consentimento, sem indenização. Uma indústria de confisco, de incorporação pode estar sendo legalizada, conforme artigo “Art. 16-A da lei encaminhada, ou se preferir, penso, a este novo AI-5 econômico, no seu aspecto autoritário: a cooperativa central de crédito ou a confederação constituída por cooperativas centrais de crédito que assumir a administração poderá determinar o afastamento de quaisquer diretores e de membros dos conselhos de administração e fiscal da cooperativa de crédito filiada atingida. § 2º A adoção das medidas de que trata o § 1º deste artigo independem da aprovação em assembleia geral ou de previsão no estatuto social da cooperativa de crédito filiada atingida.”
Tribuna Ribeirão – O que o senhor poderia acrescentar sobre a Lei aprovada?
Fábio Luz – Esta lei se insere a nosso ver, no bojo do ataque à propriedade privada popular, modalidade cooperativa de crédito, no qual querem, os mais inteligentes, transformar em postos de atendimento das centrais de crédito; estas cooperativas singulares ficam com o ônus e risco para seus cooperados e os bônus, são distribuídos como rateio de despesas para em tese, as centrais, que inclusive pagam muito bem. Forçará incorporações, sem nada pagarem por isto aos futuros ex-proprietários espoliados e alijados do seu direito de propriedade, de livre associação e livre concorrência, para formar um conglomerado financeiro, à guisa de ser alternativa aos bancos, mas, que em essência estão se transformando em bancos disfarçados de cooperativas. Um tapa na cara de quem acreditou que era dono de algo no sistema financeiro, e que deveria ser sem finalidade lucrativa, voltado ao bem estar econômico de seus associados. O PL 27/20, não é uma vitória do cooperativismo, mas, o princípio de seu fim, uma vergonha, um golpe à propriedade privada e ao direito de administrá-la e de se manter associado ou não. É uma mentira em legalização no senado.
Deputado afirma que projeto é aperfeiçoamento da legislação
O deputado federal Arnaldo Jardim disse que o Projeto de Lei Complementar 27 foi alvo de “um grande debate sobre o seu aperfeiçoamento”. Segundo o parlamentar, o setor do cooperativismo de crédito, por meio das principais centrais, “com a participação destacada da Organização das Cooperativas do Brasil (OCB)” foi ouvido, além de instituições financeiras.
Tribuna Ribeirão – Cooperativas têm sem manifestado contra o projeto de lei e afirmam que ele as prejudicará. Essas reclamações procedem?
Arnaldo Jardim – O Projeto de Lei apresentado por mim, que reorganiza o Marco Legal do Cooperativismo de Crédito tem que ser visto como um aperfeiçoamento da Lei Complementar 130/09, da qual fui o relator, há 11 anos, e que foi o grande alicerce para crescimento do cooperativismo de crédito no Brasil.
É bom lembrar como surgiu esse projeto em tramitação. Ele surge quando comemoramos os 10 anos da LC 130 e decidimos fazer um grande debate sobre o seu aperfeiçoamento. Nisto teve papel preponderante o próprio setor do cooperativismo de crédito, por meio das principais centrais, com a participação destacada da Organização das Cooperativas do Brasil (OCB). Os bancos cooperativos também participaram.
Ou seja, o setor de uma forma ampla dialogou conosco da Frente Parlamentar do Cooperativismo que representa o apoio legislativo, a participação dos parlamentares junto ao cooperativismo. Também tivemos um diálogo permanente com o Banco Central e a Agência Reguladora do SNCC. Portanto, o projeto que foi apresentado, e que eu tive a responsabilidade de subscrevê-lo, já foi um produto coletivo, ou seja, teve um grande apoio do Cooperativismo de Crédito, praticamente unânime.
Por outro lado, sua votação na Câmara, onde foi aprovado por unanimidade, simboliza o que se construiu de consenso. Por isso, e eu espero que se reproduza também no Senado Federal. Quanto as possíveis manifestações contra o projeto, primeiramente, seria interessante sabermos, pontualmente, quais os temas que têm causado tal preocupação a essas cooperativas para podermos nos manifestar mais adequadamente.
Ressalto que a proposta tem o intuito de aprimorar o arcabouço legal do cooperativismo de crédito, trazendo novas ferramentas para a gestão e negócios. Ela busca um equilíbrio entre as necessidades que o Banco Central considera primordiais e as possibilidades de melhoria na gestão e governança das cooperativas para garantir cada vez mais oportunidades de atuação no mercado. Também confere regras mais rigorosas de transparência sem, contudo, mudar a essência do seu modelo de negócio que é a proximidade com seu público.
Além disso, a participação do cooperativismo de crédito deve subir dos atuais 9% para 20% nos próximos anos, democratizando ainda mais o acesso ao crédito no país, principalmente de micro, pequenos negócios e produtores rurais.
Tribuna Ribeirão – Este projeto foi discutido com as cooperativas?
Arnaldo Jardim – Sim, como afirmei inicialmente, esse projeto foi amplamente discutido com o cooperativismo, de modo amplo e detalhado. Todos os sistemas cooperativos de crédito, além das cooperativas que não são vinculadas os sistemas organizados em 2 ou 3 níveis (centrais e confederações), participaram da sua concepção e foram ouvidos nas alterações ocorridas durante o processo legislativo.
A construção do texto-base do projeto apresentado em março de 2020 levou quase 9 meses para ser negociado entre o setor cooperativista de crédito e o Banco Central do Brasil.
Tribuna Ribeirão – Quando o Senado deverá analisá-lo?
Arnaldo Jardim – Destaco que os senadores que integram a Frente Parlamentar do Cooperativismo, acompanharam esse debate durante as discussões feitas pela própria frente e pela OCB. Portanto, os senadores que têm vínculo com o cooperativismo estão acompanhando esse processo permanentemente. Quanto à votação, não temos como responder essa pergunta. Mas o nosso desejo é que seja o mais brevemente possível. Inclusive, seria ideal que fosse feito na abertura dos trabalhos legislativos de 2022.
Tribuna Ribeirão – Cite um exemplo prático de benefício que o projeto trará para as cooperativas.
Arnaldo Jardim – O chamado empréstimo sindicalizado, previsto no art. 2º-B do Substitutivo aprovado na Câmara dos Deputados. Com essa ferramenta, duas ou mais cooperativas de um mesmo sistema poderão compor limite operacional para realizar uma operação de crédito com um cooperado.
A nossa ideia com essa proposta é que aqueles cooperados que necessitam realizar operações de maiores valores, em sua grande maioria cooperados – pessoas jurídicas -, não precisem recorrer a outras agentes fora do sistema cooperativista de crédito.
Além disso, recuperando princípios que garantem transparência e que busquem a Inter-cooperação que é um princípio do cooperativismo como um orientador das iniciativas do cooperativismo de crédito, ou seja, integrando o crédito com os outros seguimentos do cooperativismo.
Tribuna Ribeirão – O que se pode acrescentar de benéfico sobre a Lei aprovada?
Resposta: O PLP 27/2020 é um novo marco para o cooperativismo de crédito brasileiro. Com ele, o Sistema Nacional de Crédito Cooperativo (SNCC) poderá ampliar, ainda mais, os espaços que já ocupa e aprimorará, sobremaneira, as ferramentas de governança do modelo. O que muito nos anima é que o cooperativismo de crédito tem sido um instrumento para quebrar um verdadeiro oligopólio do crédito no Brasil. As principais instituições financeiras concentram de uma forma que não se vê em outros países do mundo.
O cooperativismo de crédito cresceu significativamente e a nossa meta é que com esse aperfeiçoamento, a legislação do marco regulatório do cooperativismo de crédito possa elevar a participação do cooperativismo, no prazo máximo de 10 anos, para 20% de toda a oferta de crédito no país. Importante lembrar ainda que se trata de um crédito diferenciado, muito mais presente, que chega à comunidade, chega na ponta de uma forma muito mais flexível e, portanto, acessível.
Confederação se manifesta sobre projeto de Sistema de Crédito
A Confederação Nacional das Cooperativas do Sicoob enviou nota ao Tribuna se manifestando sobre a reportagem “Projeto sobre sistema de crédito cooperativo divide opiniões”, publicada na edição de domingo, 9 de janeiro.
Na reportagem o autor do projeto de lei que altera o sistema de crédito cooperativo no país, o deputado federal. Arnaldo Jardim (Cidadania) e o médico Fábio Luz, membro da Cooperativa Medcred com sede em Ribeirão Preto deram sua opinião sobre a proposta aprovada pela Câmara dos Deputados e que será analisada agora pelo Senado Federal. Diz o texto enviado pela confederação:
A Confederação Nacional das Cooperativas do Sicoob – Sicoob Confederação, em nome do Sistema de Cooperativas de Crédito do Brasil, referindo-se à matéria “Projeto sobre sistema de crédito cooperativo divide opiniões”, veiculada por meio deste jornal em 9/1/2022, apresenta os seguintes esclarecimentos:
1º) o Sicoob avalia de forma positiva o conteúdo do PLP 27/2020, de autoria do Deputado Arnaldo Jardim, porquanto, ao atender a anseios do setor e endereçar avanços defendidos pela autoridade monetária, contempla um conjunto de regras e prerrogativas a aperfeiçoarem diferentes aspectos da Lei Complementar 130/2009, englobando o fomento aos negócios; a melhoria da eficiência operacional; a qualificação da governança; o fortalecimento sistêmico e a segurança jurídica das cooperativas.
2º) O texto aprovado na Câmara dos Deputados é fruto de longo período de conversações e acordo envolvendo o próprio movimento cooperativo financeiro, a sua representação nacional (coordenada pela Organização das Cooperativas Brasileiras – OCB), o Banco Central do Brasil, o Congresso (por meio de suas lideranças) e outros segmentos do Governo.