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O silêncio do primeiro dia

Acordo cedo, logo nos primeiros albores e gosto muito de ver o dia se espreguiçando e deixando soltar o canto dos pássa­ros, a eventual chuva – comum nesta fase do ano -, enchendo-se devagar com os barulhos da faina do dia a dia. Nesse primeiro dia do ano, excepcionalmente, deixei-me ficar na cama até bem mais tarde, me recuperando das festas de Réveillon e quando me levantei, havia um silêncio diferente.

Tomei café curtindo este estado de ausência de som, quebrado por um fogo-apagou, com suas monótonas e repetitivas cantadas. E entendi a mensagem de um interessante livro, recém lido, A História do Silêncio, onde o autor, o francês Alain Corbian, Professor Eméri­to da Universidade Panthéon-Sorbonne e do Instituto Universitário da França, compila citações sobre o assunto, em textos desde o Re­nascimento. Tomamos ciência de que o silêncio é fundamental para nosso equilíbrio mental e físico, sempre foi procurado pelo Homem, louvado pelos religiosos antigos e praticado pelos ascetas.

E notamos também que o silêncio não é só a ausência abso­luta de sons, mas pode ser assim considerado quando cheio de ruídos harmônicos, como a voz de um pássaro, o murmurar de um riacho, o canto baixo de um humano. Ou seja, também é silêncio o barulho que não nos agride e nos agrada.

O primeiro dia do ano de 2022 estava, porém, curiosamente silencioso, silêncio que durou o dia todo, embora cortado even­tualmente por um suave canto de maritacas, o latido de um cão, o arrulho de uma rolinha. Parecia que o mundo se recolhera em descanso, recuperando-se dos 365 dias que se passaram e prepa­rando seus músculos para o novo período. Momento propício para olhar rapidamente para trás e, intensamente para o futuro.

A primeira grande constatação é a de que estamos vivos, conseguimos superar os perigos da pandemia, superamos eventual contágio e sobrevivemos, um grande alívio em meio ao desespe­ro que tomou conta de todos nós. Depois, notamos que a grande ameaça deixou incólume nossa família e os que nos são caros, razão para agradecermos por esses privilégios. Nossos negócios, apesar do lockdown, das dificuldades de operação, sobreviveram e nos trouxe­ram resultado, permitindo também manter a nossa valorosa equipe.

Em nível nacional, a vacinação, claudicante no início, des­lanchou para imunizar grande parte da população e permitir o retorno paulatino de nossas atividades sociais. Um grupo de heróis anônimos, os trabalhadores da saúde, sacrificaram-se para evitar o sacrifício da população e conduziram os centros de atendimento, os pontos de vacinação. Doaram sua dedicação e, se tudo não se per­deu, é porque souberam cumprir com seus juramentos profissionais e enfrentaram a pandemia, mantendo operantes nossos hospitais.

O mundo não deverá ser mais o mesmo, quando a pandemia se for. Aprendemos a trabalhar e a estudar à distância. Consegui­mos, a duras penas, permanecer em casa, evitar as aglomerações, lavar constantemente as mãos e a usar máscaras. E agora, quando se afrouxam um pouco estas restrições, temos consciência do que será necessário fazer para combater o coronavírus e retornar à vida normal.

O que precisamos exercer, neste ano que se inicia silencioso, é a esperança de que sempre haverá uma solução e a constância em buscar nossos objetivos.O Homem conseguiu vencer todas as ameaças dos vírus anteriores, nossos inimigos mortais,com a inteligência que conseguiu desenvolver.

A primeira escuridão da noite começa a esconder os fracos raios de sol deste chuvoso primeiro dia do ano. O fogo-apagou continua com seu monótono canto, um gaturamo guarda a entrada do ninho feito no pinheiro em frente ao meu escritório, um tizíu alegremente solta seu canto, enquanto pula a cada acorde. Maritacas, em bus­ca dos seus ninhos, cantam distantes. Um gavião-pinhé lança ao espaço seu grito perigoso. Nada disto perturba o silêncio, o total silêncio com que iniciamos corajosamente o novo ano.

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