“Ao ver-se enganado pelos magos, Herodes se enfureceu e mandou matar, em Belém e seus arredores, a todos os meninos menores de dois anos, de acordo com a data que os magos lhe haviam indicado. Assim cumpriu-se o que havia sido anunciado pelo profeta Jeremias: ‘Em Ramá se ouviu uma voz, houve lágrimas e gemidos: é Raquel, que chora seus filhos e não quer que a consolem, porque já não existem’” (Mateus 2, 13-15). Foi assim que o evangelista descreveu a matança dos inocentes desencadeada pelo rei Herodes, o Grande. Ele queria fazer desaparecer uma criança que segundo se dizia, seria o Messias e rei dos judeus.
Foi intensa, entre os internautas, nas últimas semanas, a analogia ao ministro da saúde, Marcelo Queiroga, comparando-o a Herodes, que buscou eliminar o próprio menino Jesus. Episódio sem comprovação histórica, mas que, pela narrativa bíblica, sucedeu ao nascimento do Nazareno. Faz todo sentido essa analogia diante do genocídio que Bolsonaro e seus ministros têm promovido durante a pandemia de covid-19. São crimes hediondos que praticaram e continuam praticando e que, certamente, pagarão por eles algum dia. Nunca imaginamos que vacinas seriam impedidas às crianças, nós que as tomamos desde a mais tenra idade. É mais um crime desses charlatães.
A Anvisa aprovou a vacina da Pfizer para crianças de 5 a 11 anos, depois de profunda avaliação técnica. Bolsonaro foi o primeiro a reagir e, em uma de suas lives, exigiu a publicação dos nomes dos técnicos que a aprovaram para essa faixa etária – aprovação que já acontece em vários países. O objetivo era claramente expô-los à fúria de suas hienas. Ameaças de todo tipo, principalmente nas redes sociais, surgiram ao pessoal da Anvisa. O ministro da Saúde seguiu as ordens do chefe. Ele afirmou que a “pressa é inimiga da perfeição”. Ele determinou ainda uma consulta pública do ministério antes de tomar a decisão. Especialistas afirmaram que essa etapa é inédita no processo e que vai atrasar ainda mais a imunização infantil. Continuam jogando claramente a favor da morte e contra a vida. E, agora, o alvo são as crianças.
As hienas de Bolsonaro não contavam com uma forte reação da própria Anvisa e de toda a sociedade. A agência rebateu as declarações da hiena-mãe e seu diretor-presidente, Antonio Barra Torres, disse que “seu ambiente de trabalho é isento de pressões internas e avesso a pressões externas”. Além disso, solicitou à Procuradoria Geral da República, à Polícia Federal e ao próprio governo federal, investigações sobre novas ameaças a seus diretores e servidores. Parlamentares da oposição levaram denúncias do próprio STF. Mais uma vez, a ação caiu nas mãos de Alexandre de Morais, que pediu para que a Anvisa detalhasse essas ameaças e deu prazo de 48 horas para que Bolsonaro se explique sobre a intimidação.
Segundo microdados do banco Sivep-Gripe, das 589.292 mortes por covid no Brasil até 29/11/2021, 558 foram de crianças da faixa etária de 5 a 11 anos. Apesar de o percentual ser baixo na comparação com outras idades, a quantidade de mortes entre crianças é expressiva. Um levantamento feito pelo UOL indicou que, desde o início da pandemia, 1.148 crianças de 0 a 9 anos morreram pela doença no Brasil. Apesar de ser apenas 0,18% dos óbitos, o número supera o total de mortes por doenças preveníveis com vacinação de 2006 a 2020 no país. Sem levar em conta que as crianças continuam sendo agentes transmissíveis, mesmo sem apresentar sintomas. Ainda mais agora com a chegada da Ômicron, altamente transmissível.
A irresponsabilidade deste governo não tem limites. Continua a política de jogar para a plateia ou para o seu gado, mesmo colocando em risco a vida de milhares de pessoas. Mais uma vez, ele surfa em um sentimento retrógrado contra as vacinas já existente há muito tempo, presente em grupos mais conservadores da sociedade. As tretas de grupos evangélicos fundamentalistas contra as vacinas são antigas. Já valeram ações judiciais no passado a favor das crianças e contra pais irresponsáveis. Todos que passaram pelos bancos escolares se lembram da Revolta da Vacina no Rio de Janeiro no início do século XX. Então, a coisa vem de longe e permanece latente ainda hoje. O progresso continua convivendo com o atraso.