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O médico pode ser um corretor?

Está cada vez mais difícil ser médico neste País. Não bastassem as péssimas condições de trabalho a que muitos são submetidos, a remuneração aviltante, imposta à maioria dos colegas, a falsa e perigosa noção de “profissão liberal” que querem nos impingir, que de liberal tem apenas a falta das vantagens sociais do emprego, o que propicia a exploração por parte dos intermediários da prestação de serviços médicos, de uns tempos para cá surge uma nova forma de explorar o trabalho do médico, agora como corretor ou propagandista de diferentes tipos de empresas.

O pior é que isto é feito de maneira dissimulada, querendo fazer crer ao colega de que ele está participando de um belo serviço social em benefício dos mais carentes. E o colega embarca na conversa, não percebendo que está sendo usado. É assim com os chamados “cartões de desconto” em que o médico acaba trabalhando por valores mais baixos sob o argumento de que isso lhe trará mais pacientes e o argumento hipocritamente “social” de que está beneficiando pacientes que, de outra forma, não teriam acesso às consultas. Laboratórios de medicamentos usam médicos como corretores de seus produtos ao deixarem nos consultórios impressos com orientações dietéticas ou de outros tipos, acompanhadas do nome do produto correlato ou de propaganda da empresa.

Pior ainda é quando deixam selos ou bônus de descontos que, se forem apresentados em determinadas farmácias, permitirão desconto no preço do medicamento. O colega, mais uma vez embarca na jogada, não percebendo que está sendo usado como corretor do laboratório e da farmácia, não pensando que, se é possível dar o desconto, porque não dar a todos, mas apenas aos que levarem o bônus? Não percebe que está sendo usado para um procedimento que nada mais é do que o da concorrência comercial.

Ao perceber a ingenuidade do médico em se prestar ao trabalho de corretor, empresas de outras áreas resolveram também fazer uso do mesmo expediente. Quando estava no Cremesp recebi consulta de colega com relação a um documento enviado para médicos propondo que intermedeiam a indicação da empresa para pacientes que queiram fazer financiamentos para tratamentos ou operações. Como vantagem, informam que o paciente poderá parcelar seus pagamentos à empresa e o médico receberá à vista, sem nenhum desconto. Tanta “bondade” emociona.

Mas, porque colocar o médico como intermediário? Se a “benemérita” empresa, que pensa altruisticamente nos pacientes que não podem arcar com as despesas médicas, quer fazer sua benemerência que trate diretamente com os pacientes por meio da propaganda de seus financiamentos e não utilizando o médico “credenciado” como propagandista, e, portanto, interagindo com a empresa comercial.

Veja, nesta frase, extraída da mesma proposta citada acima, como se “compra” um médico: “Outros benefícios poderão ser negociados, dependendo do volume de pacientes/clientes indicados para contratação de financiamentos”. Ou seja, viramos corretores de empresas de financiamento.

O pior de tudo é que esta proposta girou pela Internet a partir da reação indignada de um colega que recebeu várias manifestações de apoio, mas algumas achando que não há nada demais, já que vai facilitar a vida de alguns pacientes e beneficiar o médico, se esquecendo do artigo do Código de Ética Médica que diz: “A Medicina não pode, em qualquer circunstância ou de qualquer forma, ser exercida como comércio”.

Nesse ritmo, se não nos indignarmos e reagirmos, logo teremos uma disputa comercial entre os “times” de médicos ligados a diferentes empresas, ou contratados por elas, lutando pela conquista do “mercado”, já que “mercado” é aquilo em que muitos querem transformar a milenar e linda ciência/arte que é a Medicina.

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