Tribuna Ribeirão
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Uma análise dos 15 anos da Lei Maria da Penha

Violência contra a mulher alcançou o debate público, mas sociedade
ainda precisa de mais reação e menos cumplicidade

Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Essa obviedade só
passou a integrar nosso ordenamento jurídico em 1988, com a promulgação da atual
Constituição da República. Desde então, o Estado levou mais 18 anos para reconhecer
que as brasileiras são violentadas sistematicamente em níveis que colocam em risco
a sua integridade física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. O principal passo
para reposicionar nosso sistema de Justiça diante desse cenário foi a aprovação da Lei
Maria da Penha, em agosto de 2006, momento histórico do qual tenho orgulho de ter
participado, então como deputado federal.

Apesar de o texto normativo representar um pacto social, aprovado pelo Congresso,
a proteção à mulher só aumenta, de fato, na medida em que os julgadores,
promotores de Justiça, defensores públicos, delegados e advogados passam a articular
os conceitos e dispositivos previstos para tanto. Esse pressuposto, talvez, seja o maior
acerto da Lei nº 11.340/2006, que vai muito além de prever sanções mais graves aos
agressores, e se preocupa em propor políticas públicas, facilitar o acesso ao Judiciário,
aprimorar os operadores do direito, e educar a população sobre o tema.

Pesquisa divulgada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em agosto de
2021 indica que um quarto das mulheres acima de 16 anos sofreu algum tipo de
violência desde o início da pandemia. O mesmo levantamento apontou ainda que 4,3
milhões de brasileiras foram agredidas com tapas, socos ou chutes, o que representa
uma média de 8 mulheres espancadas por minuto no país.
Para além de estatísticas – que são pouco precisas quando considerada a subnotificação
–, um balanço honesto dos 15 anos de vigência da norma precisa olhar para
avanços estruturais e para desafios que surgiram no período.

Percebo como motivo de comemoração a divulgação, por parte da imprensa e
de campanhas institucionais, da existência de um aparato de atenção e acolhimento
às mulheres agredidas. É importante deixar claro que vítimas de violência doméstica
e familiar têm direito a atendimento especializado da autoridade policial e que os
magistrados podem determinar medidas protetivas de urgência com o objetivo de
garantir a segurança dessas mulheres após a comunicação da ocorrência de qualquer
tipo de violência prevista na lei. A confiança no Estado, que tem amparo legal para
intervir na relação conjugal, é imprescindível para alguém que teme vingança, se
preocupa com os filhos e/ou tem vergonha de expor a intimidade.

Com base nos Arts. 22 e 23 da Lei Maria da Penha, a juíza ou juiz pode impor, de
diferentes formas, que o agressor se mantenha afastado da vítima, e pode agir para que
essa vítima tenha seus direitos preservados. Em casos extremos, de risco de morte, há, inclusive,
abrigos que garantem o básico para que essas mulheres recomecem sua trajetória.
Somente em 2020, as autoridades de segurança pública do país registraram 1.350
vítimas de feminicídio, categoria jurídica criada por lei em 2015 para especificar o
assassinato de uma mulher motivado pelo menosprezo ou discriminação de sua
condição de gênero. A pena imposta ao criminoso é maior do que a sanção prevista
para o homicídio, e aumenta ainda mais se a vítima estiver grávida ou se o crime tiver
ocorrido em frente aos filhos ou pais.

Entre os avanços trazidos pela Lei Maria da Penha, vale citar o fim de situações
esdrúxulas em que o agressor era condenado, no Juizado Especial Criminal, a penas
de prestação pecuniária que muitas vezes acabavam sendo pagas pela própria vítima.
Também ficou bem mais difícil se livrar de um processo penal exercendo pressão
sobre a mulher para que se retrate da comunicação feita à polícia. Conforme o art. 16
da norma, a renúncia à representação só pode ocorrer perante um magistrado.

Contudo, a popularização desses caminhos oferecidos pela legislação não garante
o acesso ao sistema de Justiça, em razão de uma peculiaridade da violência doméstica. O
agressor muitas vezes mora com a vítima, possui uma relação de intimidade com ela, e
tenta controlar seus atos por todos os meios possíveis, inclusive pelo domínio financeiro.

É difícil dizer o quanto a violência contra as brasileiras aumentou ou diminuiu
nos últimos quinze anos. Mas é certo que o problema rompeu os limites do lar e
passou a ser reconhecido no âmbito público. Agressões de diferentes tipos também
deixaram de ser banalizadas e hoje suscitam debates importantes para a educação dos
homens e empoderamento das mulheres. Sabemos que não é o suficiente. A nós, que
convivemos nesse contexto, cabe mais reação e menos cumplicidade.

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