Milhares de quilômetros separam a região de Ribeirão Preto da região de Manaus. Isso poderia dar a impressão de independência entre essas duas regiões brasileiras. Não é o que acontece. A região amazônica, que Manaus representa, tem forte influência sobre o Sudeste brasileiro. A floresta amazônica é fundamental para a formação dos rios voadores e estes, por sua vez, se relacionam com o regime de chuvas do Sudeste da América do Sul.
As árvores da floresta amazônica a cada dia lançam cerca de 20 bilhões de toneladas de água na atmosfera. Esta água faz parte dos rios voadores, que são carregados por ventos alísios em direção ao Oeste e iriam desaguar no Oceano Pacífico, não fosse o bloqueio representado pela Cordilheira dos Andes. Como conseqüência deste bloqueio os rios são desviados para o Sudeste, onde determinam chuvas intensas. A maior parte do volume desses rios voadores têm origem na transpiração das árvores da floresta amazônica.
O desmatamento intensivo e descoordenado retira a cobertura florestal e consequentemente suprime a transpiração, o que reduz o volume dos rios voadores. Vale lembrar que a floresta amazônica é do tipo pluvial tropical, sendo pluriestratificada, ou seja, formada por vários estratos de plantas de diferentes alturas. Os estratos mais baixos ficam à sombra das plantas maiores, sendo muito sensíveis ao sol e ao calor. Assim, o desmatamento tende a secar a área descoberta, em um processo de desertificação. Isso diminui o volume de vapor d’água que contribuiria na formação dos rios voadores, em um processo que é tanto maior quanto mais extensa a área desmatada.
A análise de períodos passados mostra que já houve floresta onde hoje é a região do Cariri. A laterita encontrada no Nordeste do Brasil é semelhante àquela que existe hoje na floresta amazônica, debaixo da superfície do solo. Quando a cobertura de árvores é retirada, o húmus superficial vai sendo perdido, expondo o solo arenoso da Amazônia, bem diferente do verde da floresta que víamos. Em trabalho encomendado pela “Articulación Regional Amazônica (ARA)” o pesquisador Antonio Donato Nobre, a partir de 200 diferentes artigos, afirma em seu Relatório denominado “O futuro climático da Amazônia” que já estamos muito atrasados: “Não basta mais cessar o desmatamento; é preciso começar a replantar a floresta”.
O replantio não é novidade. Na Mata Atlântica, que é a outra grande floresta pluvial tropical brasileira, o desmatamento já passou dos limites em várias regiões. A Mata Atlântica perdeu 90% de sua extensão, mercê dos desmatamentos e degradações. Por muitos anos as florestas da Serra do Mar foram sendo derrubadas, sem grandes consequências, devido à compensação amazônica. Hoje a região amazônica sofre os mesmos desgastes e, por isso, mais recentemente as mudanças climáticas começaram a aparecer em regiões onde, até então, não eram observadas.
Em entrevista ao jornal “Valor Econômico” Antônio Nobre afirma: “O desmatamento sem limites encontrou no clima um juiz que conta árvores, não esquece e não perdoa”. Os trabalhos desse importante pesquisador apontam para a relação entre o desmatamento das florestas e os episódios de seca que assolam o país. Mostram também que não basta mais por um freio no desmatamento. Sem a floresta não há chuva. A solução envolve zerar imediatamente o desmatamento e replantar as florestas. Em Extrema (MG), na Serra da Mantiqueira, pela primeira vez procedeu-se, de forma metodizada, um processo de replantio da vegetação devastada.
Uma clara amostra da importância da floresta na distribuição da umidade pode ser dada pela inexistência de um deserto no quadrilátero que tem como pontos básicos Cuiabá e Buenos Aires ao Sul e São Paulo e os Andes mais ao Norte. É nas latitudes correspondentes a esse quadrilátero que encontramos nos outros continentes os quatro maiores desertos do mundo: o Atacama, o Kalahari, o deserto da Namibia e o deserto da Austrália.
Era de se esperar o encontro de desertos nessas latitudes da América do Sul. No entanto, eles não existem nesse quadrilátero sul-americano já que essas regiões recebem chuvas e umidade dos rios voadores, formados, como vimos, principalmente a partir da transpiração das árvores da floresta amazônica. Esses conhecimentos deixam claro que os desmatamentos determinam redução dos rios voadores e dos índices pluviométricos, afetando a oferta de chuvas.
Quanto à pergunta que dá título a este artigo, deve ter ficado claro que sem a Cordilheira dos Andes os rios voadores iriam desaguar no Oceano Pacífico, a Oeste. Como conseqüência, teríamos grandes alterações no regime de chuvas e na umidade.